Aconteceu em São Sebastião do Rio Preto. Nessa cidade, os mais antigos ainda contam esta história, que mexeu seguidamente com gerações. Os mais novos, com certeza, questionarão: “Por que fatos como esse não se repetem?” A resposta é simples: os habitantes do baixo astral saíram da área por evolução do conhecimento. Mas que aconteceu, é conversa séria e muito bem testemunhada.
Era uma sexta-feira e uma chuva fina caía sobre o barro e buracos da rua principal de São Sebastião, distrito completamente afastado da sede do município, Conceição do Mato Dentro (60 km), por estrada apenas para cavalos, ou melhor, burros. Meia-noite, hora em que Machado de Assis sempre tarimbou como das assombrações e que fazia tremer o mais sensato dos seres humanos, nesse horário era comum levantar uma suspeita sobre assombrações.
Já surgiram os céticos, mas a frequência de fatos e a narrativa de pessoas sérias, ocupavam os bate-papos nos balcões das vendas, onde, normalmente as pessoas se assentavam como se fossem mercadorias, com cavalos amarrados no toco mais próximo.
Nas vendas, ou botecos (ainda não falavam em bar), era sempre corriqueiro o conto de uma façanha que, acreditem, a maioria não duvidava. Teve a assombração do Manoel Bispo, do Zé Alves e, em todos os lugares, porteiras batiam, engenho funcionavam sem operação, animais assustavam-se, gritos à distância tilintavam como apitos, palavras enroladas, tudo, enfim, que era fora do momento e da realidade.
No boteco do Teia a moçada bebia. E como bebia! Às vezes um rato passava entre as garrafas nas prateleiras, mas ninguém ligava, quanto menos José Vieira Reis, o Teia, figura queridíssima e engraçadíssima também, e que distraía a sua clientela com anedotas as mais diferentes e interessantes. No meio das piadas alguém, já bem “chapado”, ofereceu-se para desafiar o cemitério, ou seja, gritar na porta do “campo santo”, ou fazer alguma estripulia desafiante.
Fulano de Tal Corajoso resolveu topar a parada em troca de um litro de “graspa”, uma bebida tipo licor, muito gostosa, mas se ingerida sem moderação pode complicar a vida do beberrão. Fulano Corajoso propôs: “Eu bebo um libro, mas preciso de uma capa e de beber a graspa antes de ir lá”. A capa lhe foi arrumada, mais um martelo e um prego tamanho 20 por 30, novo, tirado na caixa. Veio também um chapéu de lebre e até um guarda-chuva, este Fulano de Tal rejeitou.
E lá vai ele subindo a Rua do Bonfim se arrastando como um bicudo conhecido e, aparentemente, sem medo de “troços” do outro mundo. De longe, acompanhavam-no seus “amigos” que se propunham testemunhar o fato. O “corajoso” passou pelas casas de Bonifácio, Nozinho do Jacinto, Salinda, Olímpio Melo, Roque Zé Mingo, Lulu Garcia e pegou o rumo de Nego da Olinda. E chegou à porta do cemitério, até então cheio de matagal. No alto, o desafiante parou, pensou um pouco, acendeu um cigarro e gritou: “Eu quero outro litro de acréscimo ou os CR$ 50,00” (cinquenta cruzeiros do custo do livro). Veio a autorização e o homem da coragem partiu célere para a porta do pavor.
Aí se aprontou, enquanto a chuva acelerava suas goteiras como canivetes abertos. Apesar de “chumbado”, o cara da coragem, mesmo tremendo como uma vara verde, avançou. Preparou-se para fazer o seguinte: martelar o prego 20 por 30 no portão do “campo santo”. Pegou o prego, mas esse escapou de sua mão, caindo numa poça de água, mas tinha outro. Embaralhou tudo: a capa marca “ideal”, o martelo, o prego, a escuridão, deu as batidas mesmo no escuro. Pronto. A missão parecia cumprida. Agora é retornar ao boteco do Teia e receber os 50 cruzeiros. Mas eis que ocorre uma surpresa, é puxado para dentro do cemitério que estava aberto. O que foi? Que desastre: afixou o prego em cima da capa, que atingiu a braúna dura. E agora?
Desmaiou o nosso “herói” e cai tombado para um lado, fica dependurado. Socorro rápido, o ex-corajoso só acorda deitado num banco do Teia. Atiram-lhe um balde de água na cara, como nos filmes faroeste. Ele acorda, sacode o rosto e solta um palavrão:
“Cambada de filhos da puta”!
Querem saber o nome de nosso ex-herói? Manoel do Orozimbo (Deus o tenha)