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Nesta benfazeja vida, eis que tive e tenho várias mães. Feliz sou pela segurança e proteção de que precisei em horas certas ou incertas, quando mais necessitava. Infelizmente, as que estão neste mundo ainda fazem parte da raridade. Mas as tenho ainda. Uma que se citar o nome não concordará comigo. Portanto, fica para cada um adivinhar.

A minha mãe principal (se tenho diversificadas e várias, é preciso que reine uma fundamental), intocável, santa, insubstituível. Essa partiu  em 2017  e somaria  100 primaveras no ano passado. Com toda a santidade, morria de ciúme pelo tanto de genitoras que ela considerava rivais. Não somente eu me preocupei, mas todos os irmãos que acabavam rindo do impossível.

Em 1957, consegui meia emancipação civil. Despreguei-me das barras da saia de figura central, na pequena Vila de São Sebastião do Rio Preto, e  fui embarcado, de cavalo e de ônibus, para São Miguel y Almas de Guanhães. Lá morei na Rua Santa Efigênia, ao lado de uma Praça de Esportes.

Mesmo com saudade de casa e enfrentando uma dupla que me “infernizava” –  Zélia (essa virou minha cupido) e Juquita — fui feliz. Fiz amigos; subi em pirâmides na parada de 7 de Setembro, erguendo a Bandeira do Brasil; vi helicópteros descerem das nuvens; surrei bicicletas emprestadas; viciei-me em cinofilia; recebi um apelido aromático — Cheiroso — e de Guanhães acabei raptando o amor de minha vida, Marlete. Pronto. E, então, vamos ao xis da questão.

Ao sair de casa, meu pai fez mil pregações: “Você vai morar na casa de um casal amigo; você deve respeitá-lo como aqui respeita seu Pai e sua Mãe; a dona da casa se chama Maria José, todos a tratam de Zezé, será a sua Mãe agora; o nome do marido dela é Silvestre Quintão; você deve conversar com eles com o tratamento Senhor Silvestre e Dona Zezé.

E seguiu a preleção: “Resposta mal criada, jamais você dará; fez alguma coisa errada, peça desculpas imediatamente; tente ouvir mais que falar”. E desfilou mais tantas recomendações que não cabem neste espaço, até as últimas repetidas em cima do lombo do burro que me levou ao arraial de Goiabas, onde dormi para pegar um ônibus no dia seguinte.

E lá fui para a cidade que virou mito. Frente a frente com Zezé e Silvestre, engoli os tratamentos para não ser achincalhado. Ninguém os tratava assim. A primeira vez que tentei, fui vaiado e a segunda nem tentei. Lembro-me quando Silvestre me disse: “Pare com isso, rapaz!” Fiquei feliz porque virei mancebo.

Silvestre era chefe de tropas e tinha sociedade com o fazendeiro Amaro Guimarães. Eles estavam se preparando para uma super viagem a São Paulo, que duraria cerca de três meses. Levaram 200 burros e mulas, cujos muares seriam vendidos. Até a divisa de Minas – São Paulo eram tocados a chicote e dali até o destino em carretas.

Silvestre partiu e Zezé se entristeceu de vez. Para desabafar,  ia  para o  tanque, lavava roupa, batia, torcia, dependurava nos varais e cantava. Ela nem ligava se estava entoado o cântico. Só cantava meia estrofe de uma  cansativa cantarola. Triste, eu gostava e nem sei porquê. Acho que por solidariedade…

Vai, vai, amor.

 Vai que depois eu vou!”

Silvestre deixou, além de Zezé os filhos  Éder e Édna, Todos prostados. Também Zélia e Juquita, esse que flagrei de lágrimas descendo no rosto abaixo. Até pensei comigo mesmo: ‘Até Juquita, que faz raiva em amigos, fica triste!”

No ano seguinte, fui morar na casa de minha futura namorada, que seria o  amor guardado para depois. Na rua Santa Efigênia nasceu Lucélia que ganhou de mim um sabonete “Palmolive”, um luxo de presente que custou meio centavo.

Zezé e Silvestre perderam vidas preciosas entre seus sete filhos: Édna e Éder. Estão conosco  Márcia, Núzia, Sebastião e Lourdes Maria.

Dois dias depois de completar 93 primaveras (22/03/2040), Maria José de Assis Quintão resolveu ouvir a voz de Silvestre, indo embora, lúcida e de dever cumprido. Estava com pena dele, que aprendera a cantar, sem água, sem tanque, sem sabão, até entoado…

“Vem, vem, amor,

Vem que nosso sonho recomeçou!”

 José Sana

Em 27/03/2024

NS
José Sana, jornalista, historiador, graduado em Letras, nasceu em São Sebastião do Rio Preto, reside em Itabira desde 1966.

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