Como todos sabem, sou do tempo do Gambá e do Cabrito. Melhor dizendo, não podia ouvir “Gambá” em São Sebastião do Rio Preto ou “Cabrito” em Passabém que dava briga de tapas, socos e cusparadas. Melhor informando, ouvia o povo antigo contar que a audácia de uma ofensa desta categoria gerava guerra entre os dois então distritos, afastados um do outro por nove quilômetros apenas como se fosse uma quadra da outra.
Tinha lá minhas ligações com a cidadezinha vizinha, Passabém, e as duas se emanciparam juntas, precisamente em 1963. Tanto no futebol como na igreja me relacionava com os cabritos bravos. Os jogos eram reduzidos mas como coroinha do Padre Raul sempre estava na terrinha dos bodes, assim como Zé Flávio, Israel, Sebastião, Godó, Tião e outros meninos de 8 a 12 anos.
Então, estava estreitamente relacionado à turma do Zé Escrivão, Joaquim Cândido, Zenon, Narciso, João do Dico, Aristone Camilo Ferreira, Délcio Horta, Otávio, Seu Ninico, João Camilo e outros personagens, carregando no meu tempo resíduos de ódio de remotas eras. Do lado dos fedorentos eram Seu Godó, Zé Mingo, Domingos das Posses, Nozinho do Jacintho, Noé, Benedito Buty, Roque Zé Mingo, Seu Dé da Banqueta, Manuel Bispo, Raimundo do Tó e mais alguns importantes caciques brabos.
Na geração de meus bisavós o pau quebrava em muitas ocasiões, contava minha Tia Luzia. Dizia ela que ambas as vilas marcaram o “Dia do Pega pra Capar”, exatamente num domingo. O encontro de guerreiros seria no Alto do Veado, divisa dos briguentos por nada. O chamado front de guerra, preparado pelos inimigos, ficava a cerca de um quilômetro à frente e outro quilômetro para atrás. As batalhas previstas, se comparadas às façanhas da Segunda Guerra Mundial, tinham a conotação de Aliados x Eixo.
A cabritada e a gambazada não dispunham de aviões e tanques de guerra, quanto menos bombas atômicas e o exemplo de Hiroshima e Nagasaki não tinha ocorrido ainda. Armaram-se com foices, machados, facões, garruchas de dois danos, revólver, espingarda de buchas, além de porretes, bombas de dinamite e até o conhecido traque, esse acionado pela meninada que acabava se envolvendo nas disputas, mesmo imaginariamente. Na cabeça, um chapéu de palha ou o chamado casquete. Parecia a reedição da Guerra do Paraguai.
O dia estava tenso e as barricadas partiram. O vigário da época, que tomava conta da Paróquia de São Sebastião e da Capela de São José do Passabém, Padre Manuel Madureira, resolveu interferir. A data marcada para o derramamento de sangue era por volta de 1920. Padre Manuel montou o seu burro tipo Dom Pedro I na beira do Ipiranga e zarpou para as terras passabenenses. Foi encontrar os generais de combate em seu “bunker”, situado na parte central do povoado. Advertiu-os e informou que tinha feito o mesmo com os são-sebastianenses que, igualmente, tremiam de medo. Ou seja, os doidos brigões tremiam do chapéu às botinas, ou eram o símbolo da raposa e do coelho.
Aí foi cancelada a batalha e adiada para outra data, mas que acabou nunca mais acontecendo. Graças, portanto, à perícia do Padre Manuel Madureira o que houve até os nossos dias foi uma guerra fria, dessas de zum-zum-zum. Até que…
… chegamos à civilização, graças a Deus. Aí a nova geração não quis sequer entender as razões de um confronto sem motivos, seria a batalha da falta de fazer. Começou uma amizade tão grande que há quem diga, como a professora Myriam Cristina, que estamos noutro ciclo, reina a paz para sempre, segundo ela, e fundamos uma nova geração chamada Gambrito, mistura mais que justa de Gambá com Cabrito.
José Sana
19/02/2025