Resolvi embrenhar-me na floresta dos realmente pacientes e fiquei estarrecido. Não publico os sobrenomes de José, Maria, João, Joaquim, Sebastiana, Geraldo e Geralda, Walter e Antônio para não ser mais uma causa de agressões aos organismos já debilitados dos que sofrem; mas eles são parte de conversas entre os que se decepcionam a cada dia com negações vindas de não se sabe donde. É bom lembrar que existe lei obrigatória para o empurrar dos burros, mas não existe a vergonha na cara suficiente que faça políticos tornarem-se gente, principalmente à distância de eleições.
SOBROU PARA MIM
Segundo os médicos, não sou um doente, sequer um paciente. Para a idade (80 anos) e outros fatores, tenho “saúde de ferro”, mesmo consumindo cerca de R$ 1.000,00 por mês em fármacos. Resolvi enfiar-me no meio de pacientes, mesmo como impaciente, e cheguei a conclusões preocupantes. Antes tinha sido advertido por um médico: “Você paga medicamentos porque quer. Existe lei que lhe garante gratuidade nas receitas que tem para aviar”.
Então, tomei as minhas providências. Compareci no Posto Médico do Programa de Saúde da Família (PSF) do meu bairro e me apresentei como humilde candidato a aviar pelo menos cinco receitas médicas, sendo três por hipertensão arterial e duas por prevenção estimada de minha médica especialista do coração. No posto recebi tratamento VIP, fui alvo de sorrisos incríveis das agentes e encaminhamento ao médico responsável pela área. Depois de duas horas de permanência, estava munido dos devidos papéis (receitas aprovadas e carimbadas) para pleitear os remédios receitados.
“TEM MAS ACABOU”
O médico da Prefeitura encaminhou-me a várias farmácias que se autointitulam “populares”, com aviso publicitário estampado nas portas: “Temos medicamentos gratuitos”. Fui, então, mas não deu certa a primeira investida. As respostas pareciam do tempo em que só havia “não” no dicionário. Mas o atendimento fez valer pelo menos uma esperança: “Pegue seus papéis e vá à Farmácia da Prefeitura”.
Àquela altura, não entendi este por quê: não seria mais prático que o PSF fosse equipado para também entregar ao paciente, ou impaciente, os medicamentos necessários? A cada caminhada que fazia colecionei um número desenfreado de “nãos”, “não tem”, “nunca teve e nunca terá”. Lembrei-me meu pai em sua loja em São Sebastião do Rio Preto, quando não tinha a mercadoria solicitada pelo cliente: “Tem mas acabou”.
A resposta à curiosidade, infelizmente, não tinha outro significado para a Prefeitura: “Vamos segurar aqui o caso e cansar o bobo do paciente. Ele é um idiota qualquer, o mesmo que vota em quem queremos”. E não se juntam posto com farmácia por absoluta incompetência.
MULTIDÃO DE SOFRIDOS
Passei várias vezes pela Casa da Cidadania Margarida Silva Costa. Sorrisos me recebem e nem sei se mereço tanto. Cheguei a pensar que riam de minha inocência ao entregar às atendentes as receitas devidamente preenchidas por médicos especialistas. A moreninha que não parava de rir, deu-me a seguinte ordem: “Fique aqui pertinho que vou atender o senhor já!”
Antes disso ouvi a seguinte frase proferida pelo amigo J.C: “O Governo Federal e a Prefeitura são obrigados, por leis, a socorrer com medicamentos e tratamentos os fieis filhos de Deus, brasileiros, ricos ou pobres, medianos que têm ou não recursos próprios para enfrentar a onça dos caixas de farmácias”.
Depois, comecei a ouvir queixas e reclamações: “Estou aqui desde as 7 horas da manhã e já estamos chegando a meio-dia”. Uma senhora disse que seu marido está com a pressão arterial em 20 x 12 e faz uma semana que não ingere medicamentos porque não há. “Tudo aqui é vagaroso”, completou um outro impaciente. Outra esperançosa afirmou que está “morrendo de fome” e nem sabe até a que hora vai ficar de castigo naquela cadeira.
“A Prefeitura está ampliando o local do antigo Samu para construir a nova farmácia. Mas é preciso saber que o que faltam são medicamentos e não espaços para acomodarmos” — palavras de um da cabeça branca de 86 anos que, há vários dias vem e volta e nada leva para casa.
A moça sorridente interrompeu as minhas entrevistas entre os pacientes e impacientes e me conduziu a um beco escuro daquela Casa de Cidadania. Mandaram assentar-me confortavelmente. Mais sorridente criatura mostrava sua simpatia logo a seguir e foi buscar o “pacotaço” que eu aguardava. Era, ao contrário, um pacotinho do tal mais barato medicamento que existe na farmácia. Anote aí o nome se quer conferir: “Hidroclorotiazida” 25 mg. E nada mais, os outros da lista que o próprio PSF recomendou foram para uma sugestão até certo ponto engraçada: “Esquece!”
AS LEIS E OS COSTUMES
O direito à saúde, previsto na Constituição Federal (artigo 196), impõe ao Estado o fornecimento de medicamentos, inclusive aqueles não inseridos na lista do SUS, em casos de doenças graves ou quando o medicamento for essencial ao tratamento. Em detalhe, a Lei 8.080/1990 (Lei Orgânica da Saúde):estabelece as diretrizes para a organização e funcionamento do Sistema Único de Saúde (SUS), incluindo a assistência farmacêutica como uma das ações do SUS.
Os costumes se resumem em burlar as leis, não se pode fazer tudo de uma vez, confirmam senadores, deputados e vereadores. Não há o que fazer, de verdade, diante da inércia dos poderes. Não estão vendo o erro que cometem: constroem farmácia, mas não trazem remédios. É a prática da falta de prioridade, da ausência de gestão no governo”, ponderou uma ex -enfermeira que andava por ali.
Nada contra ninguém em especial, fui solicitado a não divulgar os nomes de todos os que entrevistei. “Esquece as queixas que ouviu, sei que daria para montar um dicionário de reclamações”. Morrem idos os e mesmo crianças; nunca há medicamentos suficientes para atender as pessoas; o governo municipal, sempre na contramão das necessidades do povo, faz o contrário.
J.A.B. me orientou na hora que saí de carro com um pacotinho de “Hidroclorodiazida”, na mão: “Tem um poste atrás de você, cuidado”, alertou-me. Agradeci de coração a sua ajuda. Com o o sorriso das atendentes tirando a minha revolta, continuei lamentando: ainda volto aqui para ver quantos morreram e quantos ainda vão morrer, por absoluta negligência política.
José Sana
29/04/2025
Imagens: redes sociais
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