Artistas que tocam músicas consagradas do passado ocupam a maioria dos espaços em casas de show, enquanto artistas autorais lutam para encontrar oportunidades. Esse cenário reflete não apenas uma mudança no mercado, mas também uma transformação no comportamento do público e na forma como consumimos cultura.
No passado, festivais autorais e a influência das rádios ajudavam a lançar novos talentos. O público demonstrava curiosidade e disposição para experimentar o novo. Hoje, porém, as rádios e tvs perderam parte de seu poder, e a internet, embora tenha democratizado o acesso à música, criou um ambiente saturado, onde milhões de artistas competem por atenção. Nesse contexto, as casas de show e os contratantes preferem apostar no que consideram “seguro”: bandas covers que tocam músicas já conhecidas, garantindo um público certo.
Esse ciclo vicioso inviabiliza artistas autorais. Sem espaços para se apresentar, muitos acabam cedendo à pressão do mercado e se tornam bandas covers para sobreviver financeiramente. Pra completar, a nostalgia e o conservadorismo musical reforçam a preferência por músicas do passado, como rock dos anos 1980 ou pop dos anos 1990, em detrimento de novas sonoridades.
Eu testemunhei o caso de uma prefeitura que estava com medo de contratar uma bandas, pensando que ela tocava músicas próprias. Essa banda excelente, tinha suas músicas no spotify e clipes no youtube. O contratante só topou fechar com a banda se ela se comprometesse a tocar só covers.
COMO REVERTER?
Seria necessário criar novos espaços dedicados à música autoral, como festivais independentes e quem sabe criar situações para que as casas de show priorizem artistas originais. Isso hoje é praticamente impossível. As casas de show caem no ciclo vicioso. Não levam autorais por que o público prefere os covers, preferem músicas e bandas conhecidas. E a caixa registradora precisa girar. Então, pra ter show autorais, os artistas precisam garantir retorno pros donos da casa, precisam provar que levam público, precisa ter patrocínio, muita divulgação e entrada franca, se possível.
A internet, aparentemente é uma aliada. Mas como se destacar num ambiente em que milhões de novas músicas são lançadas todos os dias? Hoje, nem a TV é garantia de sucesso, do artista ficar conhecido. Alguns até utilizam bem as redes sociais e plataformas digitais, criando conteúdos engajadores e interativos que aproximam o público de suas produções. Parcerias com influenciadores e curadores musicais também podem ampliar o alcance. O curioso é que tem vários artistas que são sucesso nas redes e os shows ficam vazios.
Coletivos de músicos podem se unir para organizar eventos e turnês colaborativas. Em Alvinópolis tem uma experiência bem sucedida do ROCK na RUA. As bandas se unem para eventos conjuntos, adquiriram equipamento de som pra não ficarem dependentes e fazem sempre pequenos festivais. Na verdade, só com covers (rs)
Tocar covers é bem pedagócico. Vc aprende as técnicas. Ao emular as bandas originais, muitas vezes o músico aprende e desenvolve uma estética própria. Milton Nascimento e Flávio Venturini começaram tocando covers em bandas de baile.
A “Ditadura do Cover” não é uma sentença definitiva. Inclusive, talvez o termo “Era do Cover” seja mais adequado. Pois pra existir ditadura tem de haver um ditador e convenhamos: existe um contexto e não autoridade centralizada em uma pessoa. Mas a palavra “ditadura” impacta mais. Se eu escrevesse ERA DO COVER, talvez você não lesse. Alguns consideram efeito perverso do capitalismo. Seria então uma ditadura do capitalismo?
Mas o capitalismo também pressupõe lançamento de novos produtos para substituir os anteriores. A música autoral é essencial para a diversidade e a evolução cultural, e sua valorização é um passo importante para um cenário musical mais rico e plural. A produção musical reflete as subjetividades, os sentimentos, os conteúdos de cada ano.
COMO A INTELIGENCIA ARTIFICIAL ENTRA?
A IA não é autoral. É emulação. Não tem sentimentos, não sente dor, não ama, não odeia. Continuaremos consumindo música humana, orgânica. Não tenho dúvidas quanto a isso. Arte também.
HÁ ESPERANÇA PARA OS AUTORAIS?
Claro que sim. Com criatividade, colaboração e vontade de mudar, é possível abrir caminho para um futuro onde a música autoral volte a ser celebrada e absorvida pelo público. Sugiro às prefeituras, as secretarias, ao governo federal que invistam mais em eventos autorais A cultura só avança quando damos espaço ao novo.