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(capítulo 1)

Vamos fazer agora uma longa caminhada. Seu percurso abrangerá toda a extensão da Itabira urbana. Iremos  a pé nas ruas, avenidas e becos. Vamos convidar algumas pessoas para que anotem as passadas. Itabira, a mais diferente cidade do mundo, por razões claras e inquestionáveis, já não é povoada somente por incautos retardados. Muitos sabem que a fonte da arrecadação mixou, as torneiras da mineração nem pingam mais. Nem de Serpentina, em Conceição do Mato Dentro e Morro do Pilar, o minério será beneficiado.

 

Bem-aventurado o Congresso Geológico de Estocolmo, na Suécia, realizado em 1910! A conclusão trouxe a fama itabirana — não captada pelos distraídos — que apresentou aos investidores a seguinte conclusão: o Pico do Cauê, em Itabira, foi apontado como reserva de alta quantidade e qualidade de minério de ferro. Seria a maior do mundo.

 

Amaldiçoados os cegos de olhos arregalados que não viram o óbvio abrir horizontes! Para eles o pico duraria 500 mil anos até  transformar-se em cava,  enquanto dançavam o samba de uma nota só. Duvidaram dos alertas e não permitiram que o olhar atingisse além da ponta do nariz.

 

Vamos caminhando e vendo uma paisagem inóspita. Lojas fechadas, os estoques apodrecem-se, há um cheiro de mofo seco e rato azedo. Até os coveiros reclamam da paralisia. A poeira das ruas não é mais da Vale, mas é de falta de vassoura e pano de chão. Os cantos de passeios são ocupados por grama cinzenta. Crianças, como no poema drummondiano, não vão para a escola, apenas choram. E pode ser de questão nutritiva. Itabira sucumbe.

 

“Que nada! Desde as mais remotas eras se fala no fim da mineração!”. Há centenas de entendidos referindo-se a esses assombrosos dias. Para citar apenas alguns, eis sociólogos, professores, especialistas, historiadores: Maria Cecília de Souza Minayo, Maria do Rosário Guimarães de Souza (Zara), Maria das Graças Souza e Silva (Baginha), Cecília Maria  Viana Camilo de Oliveira, Ana Gabriela Chaves Ferreira, Jorge Florentino Botelho, José Carlos Fernandes de Lima. Para substituir com grande força os omitidos, basta um nome, do poeta Carlos Drummond de Andrade.

Subimos a Água Santa, passamos a Alexandre Drumond, Tiradentes e atingimos a Avenida João Soares da Silva. Quase chegamos às ex-instalações da saudosa CVRD. Não há mais trens passando por aí, cadê o itabirito que seria reaproveitado e o que fazem com o maquinário que está se enferrujando, exposto à chuva e ao sol? E o apito do trem que foi até excomungado pelos sem assunto? Vimos, chorando no caminho o lutador André Viana Madeira.

 

Exemplos conhecidos como a destruição de bairros e vilas — Sagrado Coração de Jesus e Paciência — mostram o que seria o fim, mas os pisca-piscas preferiram acreditar na chuva de dinheiro que a mineração jorrou. Inspiraram-se em conversas de políticos imediatistas e golpistas.

 

O cidadão, que anda olhos vendados, enxerga o hoje como se fosse o depois de amanhã. “A Vale vai despejar milhões de reais este mês e será a maior tempestade de riquezas que cairá na terra de Drummond”— diz o cidadão que chamam de pessimismo ser visionário e rasgam até a Bíblia.

 

Quem conhece o projeto turístico super eletrizante de Rafael Cléver Gomes Duarte, cidadão aplaudido em Campinas (SP), sabe que seria uma alternativa imediata ao aproveitamento total das áreas mineradas. Seus traçados representam a realidade nua e crua, bendita. Rafael, itabirano de nascimento e coração, além de técnico testado, é um presente rejeitado.

 

Incrivelmente, quando agora retornamos à “Segunda Itabira” — e não vamos à “Terceira” de Drummond e Baginha, aparecem até vozes uivando a falsa  “Quarta”. Qualquer curiboca sabe que não conseguimos,  segundo Clóvis Alvim, retornar  sequer à “amável e pacata Itabira, de topografia que lhe dava um aspecto de presépio.” Agora, o que é nossa cidade? Um emaranhado de casas e edifícios e barracos vazios, esperando o tempo passar. Nau sem rumo.

 

A cultura itabirana poderia ser lida em seus nomes das áreas de literatura, pintura, cinema, teatro, esporte e música. No centro histórico havia um piano praticamente em cada casa tilintando diariamente, para alegrar o entardecer e barrar a depressão. A arquitetura estética  seria mantida pelos próprios proprietários de casarões. E resplandeceria com a Itabira temática de Rafael Duarte.

 

Infelizmente, agora, querem saber aonde enfiaram os tostões que seduziram os gananciosos e inspiraram espertalhões. A Prefeitura emite  o primeiro grito, incluindo a ItabiraPrev como alto-falante:

 

— Cadê os R$ 40 milhões necessários para saldar a folha de pagamento mensal?

 

 

— Gato comeu! — Tutu Caramujo agora ri por não o creditarem como profeta.

 

 

(Continua na próxima semana)

NS
José Sana, jornalista, historiador, graduado em Letras, nasceu em São Sebastião do Rio Preto, reside em Itabira desde 1966.

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