E eis-me fiscalizando todas as vozes itabiranas ou não; regionais e, principalmente, da nossa periferia. Ah….!!! Juro que isto é preconceito. Falam de tudo: de falta de investimento em saúde, em educação, abandono da Unifei, em dinheirada para empresas, cidade sem presídio, falta de pagamento a funcionários terceirizados, e buracos, buracos, buracos. Mas não lembram de mim. Repito que meu nome é Passeio Público… da Silva, também conhecido como Calçada, Calçadão etc.
Imaginem este pobre aqui: sou de uma cidade de ruas estreitas, muitas sem a minha presença, quase todas esburacadas, estou sendo acusado de derrubar crianças, mulheres, idosos, deficientes físicos. Sou itabirano três vezes: de nascimento, mau tratamento e coração. Estão ameaçando entrar na justiça contra mim. Ando quebrando pernas, braços, mãos, pescoços, cabeças. Tenho dado serviço dobrado a clínicas ortopédicas, médicos ortopedistas, fisioterapeutas. Eles gostam, estão felizes, faturam seus milhões, e a quebradeira de ossos continua.
Pensam que até ganho propina, como muitos empreiteiros, para continuar a minha sina. Engano total, nada de dinheiro por fora. Tenho sofrido como sovaco de aleijado, quando a muleta é nova e a caminhada longa. Padecendo neste inferno itabirano, em que querem que continue chamando Itabira.

Crateras itabiranas: parte dos buracos que assustaram a ex-primeira-dama da França, Danielle Mitterrand em 2006
Os que andam a pé numa cidade esburacada, não só para carros, mas também para cidadãos inocentes, são os atingidos por essas intermináveis crateras. Ninguém repara isto: que estou eu, o Passeio, sem passeio, sem lugar de passear. Normalmente, os idosos não dirigem veículos, quanto menos andam de motos ou bicicletas e são, quase sempre as vítimas do descaso de administradores.
Existe uma lei, de 1975 — pesquisem os senhores e as senhoras responsáveis ou irresponsáveis — essa norma que trata do assunto, regula como Itabira deveria ser equipada com passeios públicos decentes. Vejam todos que a cidade não pode receber visitantes e pretensos empreendedores. A violenta placa que espanta o empreendedor chama-se “rota de fuga”, com inspiração em um famoso filme de Sylvester Stallone e Arnold Shwarzebegg.
O visitante e ex-futuro empreendedor sente uma vontade louca de ir embora depressa, tem medo de precisar de zarpar, nem sabe se pode ir para aonde, nem conhece um palmo à frente. Correr em mim esburacado, nem pensar!
E, então, aí entram também os taxistas, escolares, moto-taxistas, aqueles que passam o dia, às vezes as noites, desviando-se de terríveis boçorocas, quebrando molas, amortecedores e ofendendo este que escreve às autoridades, setores responsáveis por nós na tal de prefeitura. E com muito fervor, a mãe do prefeito, que nada tem a ver com a história (o prefeito, sim, sua genitora, não).
Assino esta declaração com profunda dor nos meus buracos em geral.
Assinado: Passeio Público
Em 19 de abril de 2023
Nota da Redação: a partir da próxima crônica faremos uma tentativa que sempre nos parece a adequada: se houver críticas a alguma façanha, ou ideia, ou seja o que for, a sugestão para sempre melhorar será o nosso caminho a seguir.
Fotos: Brander Gomes/Rodrigo Ferreira/Francisco Carlos Silva