Foram os selvagens que adentraram o Pico do Itambé há 20 mil anos, ou mais, os primeiros a conhecer as pedras que brilham. Muito tempo depois, em 1910, houve um congresso em Estocolmo, capital da Suécia. Lá um aventureiro estadunidense chamado Percival Farquahar, que viveu 89 anos, teve acesso a informações sobre Itabira do Mato Dentro. A boa nova era que havia sido descoberto um pico, a que denominaram Cauê, nessa nossa terra, rica em minério de ferro, recheada de hematita, de altíssimo teor ferrífero.
O que abordo nestas linhas: itabiranos e estrangeiros fundaram, a partir das descobertas, não o arraial ou povoado mas, sim, a Cidade-Acampamento de Itabira do Mato Dentro. Para melhor entendimento, na Antiguidade tivemos as Cidades-Estado, ou seja, uma cidade dentro da outra, local em que ela sobrevivia independente de sua função, livre e com as próprias leis.
Assim como as Cidades-Estado existem, desde tempos imemoriais, como na Grécia Antiga, as nossas Cidades-Acampamento. Resistimos no decorrer dos séculos, mais persistentes que Tróia, Atenas, Esparta, a sofrida Cidade-Acampamento itabirana.
TERRA DE NINGUÉM
No início da década de 1940, até há pouco tempo, a Vale mantinha sobre seu jugo pequenos escritórios de madeira, alguns chamados guarita, para abrigo de apontadores e/ou funcionários em trânsito. No Bairro Campestre eram imensas as instalações para trabalho de funcionários burocráticos, que chegaram até a usar computadores fixos.
Naqueles anos fundaram a real, verdadeira e até agora imutável Cidade-Acampamento. Para qualquer zé-maluco entender, Itabira virou terra de ninguém porque não é uma urbe fixa, mas provisória e montada como acampamento. Nesses dias atuais a agitação está acima do normal porque a Vale cumpre, sozinha e intocável, o fechamento das minas. Parece até que agem como mandava Eliezer: “Vocês de nada entendem”.
Em 1942, o governo federal fundou a Companhia Vale do Rio Doce e comprou todos os direitos e propriedades da Itabira Iron Co. A última iniciativa de Farquhar no Brasil foi criar, no período compreendido entre 1946 e 1950, a Companhia Aços Especiais Itabira (Acesita), cujo controle passou ao Banco do Brasil, em 1952.
Nos idos de 1954, o advogado itabirano José Hindemburgo Gonçalves lançou um movimento político-institucional pela instalação da sede da então CVRD na cidade-mãe, Itabira. Sem lograr êxito, embora, por lei (estatuto da empresa) obrigasse adotar tal localização nestas paragens, Hindemburgo deixou escrito o absurdo cometido contra a terra que amava. Talvez pelo fato de virem transgredindo o estatuto em anos seguidos, a mineradora resolveu construir o escritório do Areão, vendido à municipalidade, depois doado à Funcesi.
Vivíamos a plena ditadura militar, mesmo antes, um diretor da Vale fez tremer as estruturas do prédio do Areão ao proferir uma palestra em que chamou a atenção para dizer: “A Vale nada mais é que um grande garimpo”.
VERGONHA NA CARA
Poucos dias depois, um outro diretor causou alvoroço nos meios radiofônicos e políticos ao discursar em solenidade de inauguração do busto de Carlos Drummond de Andrade, desagradar a gregos e troianos: “Se não fosse a Vale Itabira seria uma aldeia”.
Também o nova-erense Eliezer Batista tirou a sua casca na Cidade-Acampamento e fez calar as autoridades campistas ao dizer que “Itabira não tem quem seja capaz de planejar o seu futuro e que ele tomaria esta decisão sozinho. O poliglota de 12 idiomas acabou falecendo e só deixou de lembrança o nome que extraíram de seu pai: Conjunto Habitacional Juca Batista.
Revivendo os tempos antigos, Itabira era uma cidade rezadeira, de fé e muita esperança. Não teria chegado a hora de voltar aos costumes antigos já que os políticos perderam o rumo do que é gestão? Orando, quem sabe, o povo reencontra o seu caminho e adquire o mais rápido possível o perdido de há longas eras: vergonha na cara
José Sana
Em 06/12/2024
Foto Arquivo Público Mineiro