Somente alguém com muita sensibilidade escreve um poema quilométrico. Escreve com a mão, pensa com a cabeça, recorre à história e ao coração. E deixa seu recado.
No dia 18 de março de 1985, Dr. Colombo sai de casa ainda de madrugada para o seu “cooper” diário com um maço de papel no bolso. Era o poema “Mauro 80 anos”.
De mansinho, chega à Vila Gabriella, residência de Dr. Mauro, e joga-o no alpendre como se fosse a chegada do correio dos tempos ainda mais antigos.
De manhã ainda, Dr. Mauro pega o papelório. À tarde, há uma festa em sua casa. Lá se reúne a família Alvarenga praticamente inteira.
Rosemary Penido de Alvarenga, nora do octogenário, autora do livro “Morro Escuro” (quarta edição, 2005), nas páginas 16 e 17 conta como ocorrem os fatos da comemoração.
Conclui, traduzindo as palavras de Dr. Mauro, que todos choraram de emoção, inclusive ele.
Agora, o que poucos já viram, fato inédito: o poema emocionante.
Eis suas letras que mostramos hoje, quando faltam apenas 14 dias para Dr. Colombo, o médico, humanitário e poeta, completar 100 anos de vida profícua, que Itabira inteira aplaude.
Leiam e conheçam dois fatos: um pouco da vida do médico-cientista Dr. Mauro e também uma revelação do carinho de irmão para irmão:
MAURO 80 ANOS
Passou a infância na roça,
com os pais e irmãos.
Pegava firme a enxada,
cuidando da plantação.
De dia, trabalhava duro;
de noite, a instrução.
A mãe ensinava os filhos,
sob a luz do lampião.
O terreno era pequeno;
não dava sustentação.
O pai, muito apertado,
teve uma solução.
Foi ao vizinho de lado,
homem rico de verdade.
vendeu a ele o retiro
e mudou-se para a cidade.
A luta continuava
para a família criar.
Bancou banca de negócio,
pôs os filhos a estudar.
A vida ainda difícil,
pois a renda era pouca.
Precisava um emprego
para tratar de doze bocas.
Era tempo de política;
nosso tio a comandar.
Foi o pai nomeado
coletor estadual.
Itabira ainda pobre,
Era pouca arrecadação.
Do que o pai recebia,
outro tinha uma porção.
Mauro termina o ginásio.
Precisava continuar.
Enfrentou bancas de exames
e seguiu pra capital.
Desde jovem, já pensava
Medicina estudar.
E a mãe entusiasmava.
Como é bom poder curar!
O curso foi feito
Com grande dificuldade
E o doutor, recém-formado,
voltou logo à cidade.
Não ficou em Itabira.
Preferiu Santa Maria,
o distrito onde nasceu.
Consultório foi montado,
um cavalo foi comprado
e a todos atendeu.
Sua fama foi crescendo;
muita gente a elogiar.
Foi chamado a Itabira
para dirigir o Hospital.
Estava ainda solteiro,
quando aqui se radicou.
Mas surgiu a Gabriela,
Ele, então, se apaixonou.
Do namoro ao casamento,
pouco tempo demorou.
Em maio de 35,
com ela se casou.
O Hospital era pequeno,
para aumentar a receita
e a ciência melhorar,
foi criado um laboratório,
com o Mauro a chefiar.
No Hospital havia irmãs,
para a casa administrar.
Cirurgias e partos não assistiam,
com medo de pecar.
Na falta de enfermeiro
para poder ajudar,
ele fazia de tudo,
não era só receitar.
No Hospital morava um velho
de nome Sô Avelino,
com uma tosse de assustar.
Diziam, a boca pequena,
que chegando à meia noite,
dava um chá para matar.
Sempre muito progressista,
estudioso, idealista,
para o Hospital tudo quis.
Apesar da Grande Guerra,
trouxe para a nossa terra,
um aparelho de RX.
Um belo dia chegou
um rapaz do interior
que pediu pra trabalhar.
Mauro o empregou;
virou Luiz do Hospital.
No contato com os doentes,
diário, permanente,
um parasita apanhou.
A mulher, desconfiada,
manteve-se afastada,
até que Mauro explicou.
A Vale, aqui chegando,
a cidade foi crescendo
em ritmo descomunal.
E aquele prédio antigo
foi ficando bem pequeno,
pedindo novo Hospital.
A ideia é posta em prática,
o terreno é escolhido
e começa a construção.
Foram anos de labuta,
dificuldades e luta,
com o povo em mutirão.
Foi professor do Ginásio:
para tudo ele concorre.
E repetia sempre a frase:
“Órgão que não funciona
atrofia, degenera e morre”.
Os alunos gostavam
da frase genial,
e, maliciosos, a ligavam
com o órgão genital.
Foi político e prefeito,
sempre na oposição;
pregando a liberdade,
combatendo a opressão.
À frente da prefeitura,
uma ponte construiu
Com as chuvas de dezembro,
aquela obra caiu.
Os seus adversários
do antigo PP
tiraram vários retratos
e gozaram o fato a valer.
No ano de 37,
com o golpe da ditadura,
discordou da violência.
Ele deixou a prefeitura.
Foi um período difícil:
sete anos de apertura.
A família perseguida,
longos anos de amargura.
Ajudando uns e outros
era o traço de união.
Com o pai desempregado,
assumiu a direção.
Mas o tempo foi passando
e formaram outros irmãos.
Derrubada a ditadura,
clareou a escuridão.
Nomeado para o Posto de Higiene
combateu epidemias,
acabou com os chiqueiros,
os focos de porcarias.
Nesse combate insano,
conheceu inimizades.
Enfrentou muita intriga
em defesa da cidade.
Fez campanha de alimento,
para o pobre ajudar.
Misturou fubá com soja,
para o angu melhorar.
O povo criticava
a soja e o fubá.
Mas do Rio, Professor Silva Melo
Escreveu para elogiar.
Sua luta mais inglória
foi o tifo exantemático,
pois ninguém acreditava
ser devido ao carrapato.
Famílias inteiras morriam
apesar da medicina.
Finalmente a venceu
ao surgir Terramicina.
Ensinava Higiene
e também Puericultura;
transmitindo às alunas
sua prática e cultura.
Era médico dos bancários
e também de toda gente.
Ia pra roça a cavalo,
atender qualquer doente.
Sempre a tudo resistiu,
pois na luta era um forte.
Sempre atendia os clientes
com carinho e decência.
E não podia entender
doentes falsos pra licença.
Então, contrariado,
de emoção todo dia,
Faz agora oitenta anos,
vencidos com galhardia.
Com o carinho de Biela,
dos filhos e toda família.
Num merecido descanso,
vive feliz no seu canto,
um sítio em plena cidade.
Entre os netos, que são tantos,
junto à cara metade,
fertiliza cada planta
com o adubo da bondade.
Se a vida é uma luta,
se lutar é viver;
se coragem é preciso
para a vida vencer;
se a verdade convence,
sem precisar corromper;
se humildade é grandeza
e renúncia é poder;
se honestidade é dever
e caridade, saber;
Mauro é aquele homem
que soube a vida viver.
ITABIRA, 18 DE MARÇO DE 1985.