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A repercussão foi imediata. Mexeu com os nervos e a realidade que se acovardavam dentro de muitos seres humanos. O problema existe e dele não tem como desvencilhar-se. “Matar ou morrer”, como é intitulado o filme faroeste estrelado por Gary Cooper (1952). Matar o desafio. Morrer nunca! Não pode ter politicagem no meio do caminho. Como disse uma leitora em comentário anexado ao texto: “O que nos falta é coragem”. Mas agora o prazo é findo e sem a bravura seremos massacrados. E, olhem, o problema é brasileiro, mundial. E nem por isso devemos cruzar os braços. Os primeiros responsáveis são os municípios, esta a realidade incontestável.

Pegando o caminho do enfrentamento, partimos para a segunda entrevista. Falamos com o vice-prefeito de Itabira, que resolveu dar sua mão ao governo em que se elegeu. Dr. Marco Antônio Gomes é médico, tem 33 anos de Itabira, e conhece a questão intrigante e desafiadora das drogas.

Por isso o procuramos. Ele diz o que pensa, o que fará, o que espera acontecer. Sabe mais que ninguém que é tudo ou nada. Ele é também pastor e conta com a ajuda da fé cristã. Ao trabalho, então, com coragem e fé. Eis a entrevista que nos concedeu:

Notícia Seca — O senhor tem conhecimento de um grave problema que ocorre em Itabira, o excessivo número de dependentes químicos?

Dr. Marco Antônio Gomes — Sim, nós temos conhecimento há muitos anos, porque já fui médico da Amai, o Centro de Recuperação, e convivemos, sim, dentro dos hospitais, no Pronto-Socorro. E não somente a nível hospitalar, mas também de ocorrências policiais. Esses “drogaditas”, eles não só usam, mas também, por falta de dinheiro, são como aviões: levam droga para conseguir droga.

NS Eles se aglomeram na Praça Acrísio e em outros praticamente em todas as noites, onde ocorre o mais imprevisível dos fatos. Recentemente, um dependente se suicidou com etanol. O senhor tem conhecimento deste sério problema?

Isso (suicídio em praça pública) não só ocorreu, como vai ocorrer. Porque estou falando que vai? Porque nós temos que ficar preocupados com essa crise, com essa questão. O lockdown promove o empobrecimento da população e precisamos agir já! O desemprego vai aumentar e, com ele, o desespero das família

MAG — Sim. É interessante que foi no dia em que eu estava saindo da Prefeitura após uma reunião. Isso não só ocorreu, como vai ocorrer. Porque estou falando que vai? Porque nós temos que ficar preocupados com essa crise, com essa questão. O lockdown promove o empobrecimento da população e precisamos agir já! O desemprego vai aumentar e, com ele, o desespero das famílias. Neste contexto, o uso de drogas é uma fuga, não só as drogas lícitas, como também as ilícitas. Essas pessoas que moram nas ruas utilizam drogas lícitas e ilícitas e, consequentemente, vamos ter casos de suicídios, agressões. Essa é uma preocupação. Eu tenho levado isso ao serviço de Ação Social, tem o Élson, essa preocupação é dele também. Precisamos de planos, de uma ação conjunta. Não basta apenas distribuir cesta básica ou uma certa ajuda financeira. Tem algo mais a se fazer e nós vamos estar juntos, não só Secretaria de Saúde, mas também na Secretaria de Ação Social.

NS Os dependentes químicos de Itabira seriam milhares, segundo fontes. Eles são potenciais transmissores de todos os vírus, o senhor sabe disto?

MAG — Sim. Assim como temos conhecimento do distanciamento, uso de máscara, higienização das mãos (isso é um protocolo no mundo todo, não só de Itabira), temos consciência de que aquele usuário de drogas, dependente químico, ele não tem noção disso. Então, a transmissão ocorre, sim, entre eles.

NSUma especialista, Sônia Rodrigues, disse que entregou ao senhor seu currículo e uma proposta para enfrentamento do problema. O senhor se lembra?

MAG — Isso foi na época da campanha. Sônia trabalhou conosco, inclusive é uma pessoa que conhece, que trabalha com dependentes químicos e com familiares de dependentes químicos. Nós já fizemos um convite a ela para estar ingressando na Amai. É bom que ela venha até nós no sentido de estar trabalhando junto com o Élson na Ação Social, porque ela tem boas ideias e tem experiência nessa área.

NS Está feito o convite a ela, vamos retransmiti-lo. Agora, vamos ao seguinte: o trabalho dela tem uma demanda de formar uma equipe especialmente dedicada ao tema, com técnicos experimentados no enfrentamento do problema. O senhor sabe disto?

MAG — Sim, sei. Eu já tenho experiência antiga na Amai e convivo com “drogaditas” há muitos anos. Na nossa igreja, por exemplo, temos um trabalho específico em células com jovens, adolescentes, alguns com experiência de terem abandonado a droga, a dependência química. Eu, como vice-prefeito, tenho essa preocupação, foi uma questão focalizada na campanha eleitoral.

Sei que a nossa preocupação maior é a Covid-19. Todas as secretarias estão direcionadas para a Covid. Mas a Covid não pode ser uma monossílaba ou uma orquestra de uma nota só. Vejo que temos que diversificar e uma das nossas preocupações é a dependência química

Sei que a nossa preocupação maior é a Covid-19. Todas as secretarias estão direcionadas para a Covid. Mas a Covid não pode ser uma monossílaba ou uma orquestra de uma nota só. Vejo que temos que diversificar e uma das nossas preocupações é a dependência química. Sabemos que não estamos lidando só com o dependente químico. Nós estamos lidando com a família do dependente químico. Estamos, na verdade, trabalhando com a sociedade.

NS Existe uma legislação complexa sobre a questão, a especialista citada, Sônia Rodrigues, presta até serviços para o Exército Brasileiro. Ela tem um projeto que depende de formar uma equipe de especialistas, não de leigo, estou somente adiantando o que ela me disse, e deve dizer ao senhor.

MAG — A Sônia, eu já a conheço, ela faz, sim, palestras; ela especializou-se nessa área. Com a sua experiência, a gente poderia contar com ela no serviço de Ação Social, como também na sociedade, dentro das comunidades religiosas, das escolas, porque o conhecimento e a educação mudam uma sociedade. Como ela já trabalha nessa área fazendo palestras, ela faz parte dessa mudança.

NS — Algum recado para ela?

MAG — Eu poderia orientá-la a procurar o Élson da Ação Social. Ele já tem uma experiência, já trabalhou em Belo Horizonte, já trabalhou junto com deputados, então a questão de verba, de leis, o Élson entende muito bem. Ele atuou em um plano muito bom em Belo Horizonte, trabalhou em bairros onde o uso de drogas e a violência eram muito grandes. O Élson fez um bom trabalho, tanto que a moeda social foi ideia dele. Essa moeda social que ajuda a população carente. Ele já fez levantamento da população carente, então o caminho aí é procurar o Serviço Social. Ela pode me procurar que eu vou levá-la até o Élson. Com projetos bons, ele pode tentar encaixá-la.

NS Assim como problemática é a questão, sempre Itabira foi chamada de “campeã brasileira do autoextermínio” por estudiosos, inclusive em pesquisas e apresentação de artigos científicos. O CVV está praticamente paralisado, o senhor tem algum dado recente sobre o número de suicídios em Itabira nestes tempos de pandemia?

Moro aqui há 33 anos. Área de lazer: nós não temos. Carga de trabalho: muito grande. O horário de trabalho aqui muitas vezes leva as pessoas a terem distúrbios do sono, ansiedade e nervosismo. A pessoa não sabe a que horas dorme, a que horas almoça, a horas passa um tempo com as crianças e com a família

 MAG — Itabira sempre foi colocada no meio da sociedade e da mídia como uma cidade de alto nível de suicídio, nesta pandemia não temos números, mas sabemos que a situação é gravíssima. Trouxemos aqui numa época meio distante uma professora cubana. Ela veio ministrar mestrado na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e eu a trouxe aqui através de um colega. Ela tentou desmistificar a situação. Segundo ela, primeiro, a cidade é muito bem informada. Na época tínhamos três ou quatro rádios, a TV, quatro ou cinco jornais. Essa divulgação resulta, então, em uma sociedade conhecedora do suicídio. Moro aqui há 33 anos. Área de lazer nós não temos. Carga de trabalho: muito grande. O horário de trabalho aqui muitas vezes leva as pessoas a terem distúrbios do sono, ansiedade e nervosismo. A pessoa não sabe a que horas dorme, a que horas almoça, a horas passa um tempo com as crianças e com a família. Isso tudo leva a um distúrbio mental. Sabemos muito bem que o fim dos distúrbios emocionais são alcoolismo, dependência química, brigas, desavenças dentro de casa. Isso acaba levando ao suicídio, angústia e depressão. Conversando outro dia com um engenheiro da Vale, que mora também em Itabira desde os 9 anos, chefe coordenador da parte de engenharia elétrica da Vale que vai até Vitória, ele me disse: “Doutor Marco Antônio, nós precisamos de uma nova roupagem para Itabira. Itabira precisa mudar, precisa ter uma boa praça, lugar para caminhar, uma pista de ciclismo”. Eu concordei com ele. Em seguida, ele falou: “A Vale está à disposição”.

NS Parece uma dica ótima para derrubar a questão que, além da transmissão de vírus e suicídios, mostra o problema da violência doméstica que é muito noticiada pela imprensa. O senhor tem conhecimento disto?

MAG — Tenho e convivo com isso a nível de consultório e a nível de hospital. Sabemos que o isolamento social acarreta um quadro de ansiedade e nervosismo muito grande, principalmente para quem mora em um lugar muito apertado e pequeno. Os apartamentos hoje são verdadeiros “apertamentos”. A convivência entre as famílias foi se distanciando, porque o homem vai para o trabalho, a mulher vai para o trabalho, e a criança para escola. Nós entregamos os nossos filhos para as professoras.

As mulheres hoje trabalham para levar o pão de cada dia para o seu lar e o homem está cada vez mais distante. Quando não está no trabalho, ele está buscando outros colegas, bares, jogos. Então houve esse distanciamento. Com o lockdown, o que que aconteceu: eles passaram a conviver 24 horas no mesmo ambiente. Isso está acarretando alteração emocional, ansiedade, nervosismo, insônia

As mulheres hoje trabalham para levar o pão de cada dia para o seu lar e o homem está cada vez mais distante. Quando não está no trabalho, ele está buscando outros colegas, bares, jogos. Então, há esse distanciamento. Com o lockdown, o que que aconteceu: eles passaram a conviver 24 horas no mesmo ambiente. Isso está acarretando alteração emocional, ansiedade, nervosismo, insônia.

E esse negócio de que a solução seria o trabalho domiciliar ou o home office, na verdade, está acarretando mais nervosismo, porque o sujeito que está trabalhando em casa ele não tem hora de tomar o café, não tem hora de almoço. Às vezes ele está ali no seu trabalho, a esposa chama para o almoço, mas ele não pode sair naquele momento porque está no meio de uma reunião. A criança quer brincar com o pai, achando que o pai se encontra em casa, mas ele está trabalhando. A criança acaba se tornando um empecilho para o trabalho. Atritos e atritos e atritos. Isso tem gerado, não só agressão de ambas as partes, tanto do homem quanto da mulher, como também divórcio e separação. Então lockdown dá certo para um lado, mas por outro não é tão bom. Nós sabemos disso.

 

NS O senhor tem algo mais a dizer? O que não foi focalizado?

Só agradecimentos. Muito obrigado por ter-me ouvido. Destaco sempre o agradecimento ao Altíssimo por nos assistir sempre e não posso me esquecer da esposa Francisca, meu braço direito. Nós temos, ao lado do prefeito Marco Antônio Lage, trabalhado para amenizar esse problema de Itabira, do Brasil e do mundo. O mais importante é contar com ajuda da população. Contar com questionamentos como esses agora. Isso nos faz alertar, nos faz pensar, ajudar as pessoas que mais necessitam, porque se ficarmos detidos dentro de uma Prefeitura, muitas vezes não sabemos o que a sociedade está necessitando. Por isso, muito obrigado!

NS — Somos nós quem agradecemos ao senhor pela gentileza de nos atender.

José Sana/ com Brander Gomes e Sérgio Santiago

Fotos: Divulgação e Álbum de Família

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