A lona está esticada e sendo erguida. As arquibancadas seguem com convidados para assentar-se. O palco é, aos poucos, sendo ocupado. Palhaço declarado parece haver, e a plateia admite tomar parte nos espetáculos que já têm atores e autores. A preocupação de como será, no ano que vem, as apresentações das peças não leva em conta o porvir.
Notícia Seca desde muitos dias tinha um encontro marcado com uma figura bem-sucedida em Itabira e distante das discussões eleitorais em momentos impróprios. É ele o presidente do Sindicato Metabase e conselheiro de Administração da Vale. Político sindicalista, que esteve na Câmara Municipal como vereador e, portanto, conhece as questões da política partidária. Seu nome: André Viana Madeira, 37 anos, casado, dois filhos, aluno do Senai chegou às áreas de operação e manutenção da Vale, incluindo o setor de planejamento técnico-digital.
O real motivo de agendamento da entrevista não vem de apenas esse tema. Há uma série de outras questões de peso a provocar a curiosidade do eleitor e internauta como: visita do presidente do Conselho de Administração Daniel André Stieler e do vice-presidente Marcelo Gasparino a Itabira em 20 de junho; relacionamento de poderes públicos; questões do mercado internacional do minério de ferro, o futuro de Itabira e uma pergunta que muitos itabiranos fazem sobre o seguinte: Itabira já teve o gosto amargo exaustão do minério de ferro como exemplo? E eis-nos frente a frente com André Viana.
CONSELHO QUE VALE O PESO
NS — Qual o sentido de o senhor trazer agora a Itabira o presidente e o vice-presidente do Conselho de Administração da Vale? E qual o peso deles no contexto de decisões do Conselho Executivo?
AV — A importância da agenda é criar a possibilidade, como órgão que tem poderes de diálogo com a diretoria executiva da empresa (Vale) e também no tangecionamento das diretrizes de planos e metas da Companhia. O Conselho de Administração não tem o poder de execução, mas detém o poder de deliberação, de apreciação dos projetos que a diretoria executiva da Vale pauta. Eles vieram a Itabira atendendo a um convite meu e tivemos uma agenda bastante positiva.
NS — Como foram alguns detalhes desta agenda?
AV — Tivemos uma importante reunião na Acita, onde foi apresentada a importância da mineração para Itabira e os projetos que visam aí a nossa diversificação econômica. Esteve em pauta, inclusive, os projetos de rejeito de minério, depois tivemos uma conversa com prefeito atual Marco Antônio Lage, que nos apresentou a consultoria da “Arcade” (agência de marketing) sobre a cidade de Itabira e os projetos que podem trazer ganhos enormes na sua independência econômica e também a questão do avanço da cidade. Não viemos com projetos prontos, não viemos com decisões prontas ou com foco em resolver algo específico.
NS — “O Poder Legislativo não pode se curvar à soberba e à tirania de outros”. A frase foi dita na semana passada e tem um autor, André Viana, que foi vereador e conhece muito bem de que se tratava. Alguma coisa mais a explicar?
AV — Eu quis dizer da grandeza do Poder Legislativo. Aprendi muito lá, tenho respeito pelo Legislativo Municipal, como também tenho pelo Executivo e pelo Judiciário. São poderes que deveriam ser pelo menos independentes entre si e harmônicos, como diz a Constituição Federal.
NS — Se o senhor fosse prefeito de alguma cidade teria uma tática especial para fazer o Legislativo entender que tem boas intenções e, assim, conseguiria fazer a paz reinar sempre?
AV — Entendo que a melhor tática é o diálogo franco, honesto e transparente dos poderes. Depende muito do cenário, cada governo tem um cenário, então não posso medir o governo x y z simplesmente por um momento que cada um teve ali. Há um governo que enfrentou a Covid, outro que enfrentou uma guerra no mundo, outro que não enfrentou. Tem um prefeito que enfrenta escassez de água, outro vai enfrentar a exaustão das minas, então são cenários diferentes. O que a gente torce é que os poderes conversem. Eu sou muito fã da boa política, do diálogo, da articulação, do fino trato, porque assim a gente consegue avançar. Perdemos muito nos últimos anos essa boa política, o povo mineiro era conhecido pela boa política, a política do café com leite… Hoje perdemos muito essa arte do diálogo, da negociação.
“ANTES TARDE DO QUE MAIS TARDE AINDA”
NS — A Vale, no seu nascimento, previu que ocorreria em Itabira e região uma espécie de “Bolsão de Pobreza” e criou o no artigo 9º do decreto de criação, o Fundo de Melhoramento e Desenvolvimento da Zona do Rio Doce. Esse decreto determinava que 8% do lucro da empresa fossem destinados aos municípios da área de influência da mineradora. Depois da privatização, ninguém mais falou isso. Você acha que Itabira conseguirá e outros municípios possam enfrentar praticamente de mãos vazias o fantasma do futuro?
AV — O tempo está passando e os desafios aumentam. Tem uma fala que eu gosto de usar, que é “antes tarde do que mais tarde ainda”. Precisamos da duplicação na BR-381 que é um fato importante, Itabira fica muito isolada. Florianópolis, em Santa Catarina, quando resolveu o problema de duplicação da rodovia, cresceu demais. Itabira tem os desafios da duplicação, a questão da água que hoje está sendo viabilizada via captação do tio Tanque, a questão do polo educacional, que é a situação da Unifei e da Unifuncesi, que agora acabou de receber o importante curso de Medicina — tarde, mas antes tarde do que mais tarde ainda. Acho que ainda é possível recuperar pelo menos parte do tempo perdido e criar o desenvolvimento.
O FANTASMA “EXAUSTÃO” TEVE ENSAIO AQUI
NS — Itabira ficou dez dias sem arrecadar os impostos da mineração, você se lembra muito bem, e quem mais sofreu com isso foi Itabira. O motivo foi o alarme que trouxe a pandemia da Covid-19. Morriam seres humanos como nos campos de concentração de guerras. A Justiça tomou sua precaução: mandou fechar as minas. Impostos não caíam mais nas contas da Prefeitural. Queria fazer um paralelo disso como exemplo de exaustão da mineração que está por vir…
AV — Tivemos paralisação das minas de Itabira, sim, mas foram 12 dias, mais do que você diz. As minas ficaram interditadas entre os dias 5 de junho de 2020 e 17 de junho de 2020, tempo determinado pelos auditores do trabalho, com grande prejuízo de arrecadação para os cofres públicos. A Vale relatou em seu site uma perda de produção inferior a um milhão de toneladas de minério de ferro, é o dado que a companhia emitiu ao mercado com a perda da paralisação relacionada ao complexo de Itabira.
NS — Aí, tivemos um ensaio sobre o que será a exaustão definitiva. (* )O caos, a corrida do prefeito à Justiça procurando uma saída, faltava dinheiro nos cofres públicos. Lembra-se disso? E observe: itabiranos, nem funcionários da empresa, nem aposentados e pensionistas comentam isso…
AV — Sim. É verdade. Um exemplo bem claro e indesejável. Espero que isso não ocorra e tenhamos uma solução para a questão. O teor do minério de ferro não importa mais tão fortemente. Não há mais o que discutir. O problema atual é que os chineses criaram tecnologias que conseguem melhorar a qualidade de minério pobre com reações químicas e tecnologias. Esse mote de que o minério tem que ser de alto teor não se segura mais com as tecnologias novas existentes. Existe a possibilidade de melhoramento de performance de minério ruim e isso favorece a Austrália que está do lado da China. O Brasil precisa abrir o olho das commodities de mineração porque nós temos uma produção muito custosa.
A produção de minério de ferro tem um alto custo, sendo a logística um dos principais deles. Estamos do outro lado do continente e temos que atravessar o globo para chegar à China. A Austrália está ali do lado praticamente da China ou do continente Asiático, então eles têm muito menos custo de produção.
O TEATRO DA QUESTÃO ELEITORAL
NS — Antes de chegarmos aos anos 2030, temos a questão do atropelamento do tempo eleitoral. Candidatos aparecem, antecipadamente e nem veem discussões mais importantes, esses nos deixam atordoados. Descomprida a legislação eleitoral, o que devemos fazer?
AV — Olha, vou responder a nível Brasil. Nós temos uma legislação eleitoral prestes a ser mudada em que há uma eleição a cada dois anos. Eu acho isso um absurdo, temos eleições caríssimas a cada dois anos — o brasileiro tem de ir às urnas para fazer votação, ora municipal, ora esfera nacional. Ano que vem teremos eleição para vereadores e prefeitos e daqui a dois anos teremos eleição para executivo federal, estadual e legislativo estadual e federal. Já era para ter acabado essa questão de ter eleições de dois em dois anos. Eu sou adepto de mandatos de 5 anos no mínimo, sem recondução, e que as eleições fossem unificadas para que o cidadão possa escolher de vereador a presidente da República de uma vez só. Precisamos mudar a estrutura da legislação eleitoral.
NS — Você aprecia as campanhas eleitorais, acha-as interessantes para as cidades?
AV — Aí se pudesse dizer sim! Instalam-se verdadeiros palcos teatrais e aí se vê a perda total de tempo, para acrescentar mais nos problemas a serem enfrentados.
NS — Seriam instalados os circos-teatro gênero que ocorreu no Brasil durante todo o século XIX até mais recentemente na década de 1960?
AV — Isso mesmo. E teríamos os palhaços.
NS — O senhor vai participar das eleições no ano que vem?
AV — Com certeza, sim. Mas não como protagonista. Estarei defendendo uma bandeira, como cidadão tenho esse direito. Meu tempo público pertence ao Metabase, aos trabalhadores, agora também ao Conselho de Administração. E estou torcendo pelo nosso futuro.
José Sana
Em 30/06/2023
Fotos: Alan Henrique/ Comunicação André Viana/ Metabase
OBS: (*) Em cálculos aproximados, na pandemia da Covid-19 — período 5 a 17 de junho de 2020 — houve um corte de aproximadamente R$ 51.813. 420,00. Trata-se de profunda crise que exigiu, da Justiça, a interdição das minas itabiranas. O levantamento foi feito por entendidos, levando-se em conta que a Prefeitura arrecada da Vale, diariamente, R$ 4.317.785,00. O cálculo não é preciso, mas dá uma ideia de como seria (ou será) Itabira sem as mineração de ferro.