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A voz era de A.S.F., um amigo que confia em mim porque, às vezes, nem cito as suas iniciais para reviver as anedotas que me conta.  Ele me chama de  Nostradamus, sem explicar a comparação incabível que faz de mim com o  astrólogo, médico e vidente francês de renome, que viveu de 1503 a 1566.

— O que aconteceu que adivinhei? — perguntei a ele e esperei a resposta.

— Olha, meu caro, acha que não  li “Não quero assistir ao réquiem de Itabira?” Você transformou o velório itabirano em algo real, já antigo, escondido na expressão “era uma vez”. Você acabou de matar a nossa cidade. Cuidado, hein!

 

ERA UMA VEZ EM ITABIRA

Conversamos sobre o assunto e expliquei que queria apenas  chamar a atenção dos que não levam a sério a gravidade do momento. Em seguida, fui  atrás de um copo d’água com a sede de quem vinha do deserto. Ingeri e engasguei. Pensei comigo: não mereço  isso, chega de sofrer exatamente pelo que tinha medo na vida desde minha tenra infância!

No mesmo instante, deparei-me com uma mensagem mais leve, levíssima, sobre filmes faroeste. Engraçado que nesse tema bangue-bangue travava-se uma discussão exatamente por mim e  quem gosta de falar de política. Inverteram-se os papeis, eu que gosto de tudo, quis,  então, abordar  outros detalhes, por exemplo, sobre Charles Bronson tocando gaita na nostalgia do silêncio e a exibição do som da orquestra belíssima de Ennio Morricone.

DE VOLTA AO AMARGOR

Ouvi  o áudio da entrevista  que teve seis gravações e, quando começava a transcrever as frases — ou melhor, punhaladas do prefeito Marco Antônio Lage, tive a vontade de ser o Cristo da Semana Santa, peça teatral da Paixão, que foi apresentada em Ipoema e, acho, na Vila Amélia também. E me imaginei sendo coroado de espinhos, chicoteado, levando quedas seguidas, bebendo azeite com fel, as mãos e os pés pregados na cruz e o tempo se transfigurando no rumo de uma tempestade.

 

Não era, evidentemente, a vontade de ser herói, mas, sim, sentia que aquilo se tornava pagamento de dívidas, desta ou de outras encarnações, como asseguram os espíritas seguidores de Alan Kardec. Quer dizer que os momentos cruciais que vivia  eram acerto de contas. As palavras do prefeito de Itabira chegavam a mim com o sabor do fel ingerido na cruz. Sou culpado, dificilmente conseguirei  safar-me das contas de vidas passadas ou a atual. Ele mostrava uma série de motivos por sentir-,e um trapo, desnorteado, perdido, sem chão. Vencido.

MARCO ANTÔNIO TODO-PODEROSO?

Marco Antônio Lage  anda meio  zonzo da vida ou sou eu o desmiolado? Falava como verdadeiramente um sofista (um amigo meu escreveu isso)  mas não era das hostes de Atenas da Grécia  Antiga, mas de um ipoemense que perdeu o rumo. Vejam este afogamento de palavras (deve ter dado um branco na inteligência): “O município está botando recursos numa obra federal, acho  isso um absurdo, não concordo com isso!” Que vontade de confrontá-lo naquele momento e dizer-lhe: “Seu socialista, então doe seus bens espalhados pelo mundo e resolva esses problemas!”

 

Ele, o prefeito, falou que a Unifei deveria ser tocada pela Vale e pelo Governo Federal. Citou uma lista de carências itabiranas, esquecendo de muitas. Lembrou de botar médicos nos PSFs (dois anos e quatro meses não deu tempo);  resolver problemas de esgotos a céu aberto (os esgotos ficaram escondidos e saíram de fininho); de tratar dos miseráveis que passam fome (eles ainda não morreram, graças a Deus); de reformar escolas (não caíram por enquanto); de acabar com o déficit de atendimentos em creches (as crianças vão crescer mas vêm outras) e pagar passagens para os carentes (eles vão economizar uma fortuna indo e vindo).

Falou, também, de valores devidos à Prefeitura, Governo Federal e Vale, deixando subentendido que a Municipalidade vai cair fora desse “conluio” porque ‘não quero’, ‘não devo’, ‘não é minha vontade’. Esquece de que em Itabira, que ele parece não conhecer tão bem assim como, no caso da Funcesi, houve a formação também de um tríduo de forças  entre Vale, Prefeitura e Câmara Municipal. Nesses dois momentos o jornalista internacional, também ipoemense, não estava presente.

MARCO ANTÔNIO FOGE DA CRUZ

Conheci Marco Antônio Lage  antes de ele existir. Ou melhor, conheci seu pai, de quem nada herdou, infelizmente. Harcy Lage foi fazendeiro que brigava por Ipoema, por Itabira, carregava humildade em seus atos.  Seu filho Marco, tem a cara de  mandão, ‘desmandão’, por trás de ações soam uma ou mais eminências pardas, ditando-lhe as ações imaginariamente certas, destoadas da realidade.

Mas vem a entrevista com Zé Geraldo do Espinhaço, revela o poder de desmanchar o sonho de muitos itabiranos, esforços  inenarráveis de um reitor (Renato Aquino), preparadores do campo, de participação efetiva da Vale  (Kléber Guerra), prefeitos anteriores, incluindo João Izael Querino Coelho, que sustentou o idealismo, vereadores, esforços do ex-deputado José Santana de Vasconcelos e a participação ativa do ex-vice-presidente da República José Alencar da Silva.

 

Ao não procurar saber o nome de quem ajudou a enxugar o sangue de cada um, Marco fugiu da cruz, nem procurou saber se é  pesada. Agora, 15 anos depois de lutas, ele quer extinguir um sonho. Ah… se você dissesse isso em campanha ,Marco, levaria um chute no traseiro e jamais levantaria do chão!

 

Então, até eu tive a honra e o prazer de fazer incontáveis viagens de Itabira a Itajubá, daí a Brasília e até uma visita à França para conhecer o modelo preconizado pelo reitor que, a meu ver, deveria estar aqui gerenciando as providências como representante da Prefeitura. Minha participação está registrada porque valeu o que tinha nas mãos, a vontade de ver Itabira se reerguer depois da mineração.

 

E devo registrar o seguinte: a instalação da Unifei em Itabira, com projeto completamente diferenciado de universidades tradicionais, traz uma nova proposta, que releva a transformação de Itabira, como Sophia Antipolis, no Sul da França, em um destacado polo tecnológico. Este seria parte do futuro que o governo atual de Itabira não quer e, então, assina o atestado de óbito itabirano. Marco, Unifei  é o que por enquanto resta, seu esquecido!

 

Não sou um profeta, jamais, como disse meu amigo A.S.F.! Tenho acima de todos um defeito irreparável: de ser sincero, de amar tudo o que me rodeia e de ser fiel a Deus pelos sonhos e inspirações que me presenteia sem miséria. E agora, de que viveremos, daqui a dez anos vamos dividir a miséria sonhada pelo prefeito que, em campanha, afirmou o contrário?

 

Se Marco Lage sustentar o que disse ao Espinhaço, ouvintes da Rádio Pontal e a Itabira e região, seu desinteresse pela Unifei se estampa. Em ação deve ficar a indústria cinematográfica, podem todos  chamar uma orquestra famosa e um tocador de gaita para a montagem do filme sugerido pelo meu desiludido amigo: “Era uma vez em Itabira”.

 

José Sana

28/04/2023

Imagens: Redes Sociais

NS
José Sana, jornalista, historiador, graduado em Letras, nasceu em São Sebastião do Rio Preto, reside em Itabira desde 1966.

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