Qualquer jornalista, ou cidadão, que precise conversar com o prefeito de Itabira, Marco Antônio Lage, depois de quase 200 dias de seu governo à frente da Prefeitura, terá uma pauta de questões quase infinitas, devido ao momento conturbado em que vivemos. Pandemia, cidade agitada, faltando água, ingrediente especial que, quando rompe nas torneiras, mostra coloração turva, Vale apressando-se em ir embora, barragens problemáticas, bairros sucateados, Câmara meio-afastada, tudo isso somado e o futuro batendo às portas, requerendo ações pontuais.
Mesmo assim, foi possível um encontro com o chefe do Executivo itabirano durante uma hora e dez minutos e abordar temas mais urgentes, deixando detalhes para outra ocasião, mesmo importantes. Foi dito ao próprio prefeito: “Veja a lista, teria que ficar três dias aqui em seu gabinete”.
Mas, vamos lá que a saída é esta mesma, não se tem outro caminho. Afinal, é possível questionar muitas medidas, como a voz das esquinas e botecos quer saber: por que trouxe muita mão de obra, ou seria cabeça de obra de outras cidades? Esse povo conhece Itabira? Por que não chama fulano, sicrano, beltrano, de custo mais baixo e de experiência comprovada? Quem é esse, quem é essa? É verdade que já tem 200 ou 300 cargos comissionados?
Não. Aqui e agora a pauta precisou ser sintetizada e tem como objetivo estabelecer a visão de médio prazo, mesmo contra os que exigem resultados positivos para amanhã, no máximo depois de amanhã. Vamos às respostas aos questionamentos em entrevista realizada no Gabinete do Prefeito, de 15h30 às 17 horas. Daqui para a frente, só fala o prefeito de Itabira, jornalista e CEO Marco Antônio Lage.
BARRAGEM DO PONTAL
— A Barragem do Pontal vai exigir, sim, que a Vale talvez remova famílias nos bairros Bela Vista e Nova Vista. É uma grande obra que está sendo construída ali. Ainda não se sabe quando teremos uma solução, mas estamos acompanhando. Será preciso terminar o estudo de engenharia. Aquela é uma obra grande, uma obra de milhões de reais. Uma coisa é você colocar a cortina aqui do lado. Se eles conseguirem colocar a cortina tubular mais longe, não precisará tirar. Depende da finalização desse estudo técnico. Por isso que eles me explicaram para ver se são 100 famílias, 200, 300. Estima-se em 300.
AS 15 BARRAGENS VÃO ACABAR
— A Vale vai, sim, acabar com as 15 barragens que cercam Itabira. O projeto, ou processo, é o “descomissionamento”, que já foi iniciado. Depois vai passar a fazer o beneficiamento a seco. O rejeito terá outro tipo de tratamento. Então, consta do projeto que estamos acompanhando, primeiro acabar com as barragens. A Vale está em obras.
PLANEJAMENTO ESTRATÉGICO
— Temos, sim, um planejamento estratégico sendo montado por Itabira. Nós estamos com a Vale já. A resposta do presidente da empresa foi muito positiva para nós do ponto de vista de propósito. Ele aceitou muito bem os nossos propósitos que expus. Montamos um grupo, um comitê envolvendo a Prefeitura e a Vale, que se reúne toda semana. Já está funcionando. Não foi divulgado oficialmente porque estamos esperando os primeiros dados concretos.
— Uma vez por mês temos um comitê com diretores do Rio inclusive, com a participação da Prefeitura, para deliberar. Uma semana, um grupo, um mês outro grupo. A Vale, está contratando uma consultoria internacional para nos ajudar a organizar o planejamento estratégico de curto, médio e longo prazo. Aí perguntam: “Vocês vão ficar na mão da Vale?” Não. Definitivamente, não.
— Convidei a Vale para participar como grande parceira na construção desse projeto. Nós não podemos ignorar porque Itabira é Vale. Serão completados 80 anos no ano que vem. Não dá para ignorar a grande empresa que mantém 90% da receita de Itabira direta ou indiretamente. Precisamos dialogar com a Vale e o diálogo pressupõe que a gente tenha um propósito que é a emancipação econômica de Itabira. Vamos fazer tudo tecnicamente bem feito, sem erros.
CADÊ O DINHEIRO QUE ESTAVA AQUI?
— Acabam as barragens, virá o beneficiamento a seco, como já disse, e todo minério da região passará por Itabira. A matéria-prima virá in natura de Conceição do Mato Dentro, Morro do Pilar e de onde for para Itabira, de trem, deve ser construída a estrada de ferro e o produto bruto será beneficiado aqui.
— Cessa a operação de extração mineral em Itabira, aí gera uma receita menor, mas gera empregos. Se não encontrarmos alternativas até 2028, ou 2030, que cubram a receita, o que não é fácil, esta será a realidade: vai cair a receita. Nós temos que assegurar um mínimo de sustentabilidade e qualidade de vida na cidade por meio de outros serviços. Estamos trabalhando para isso e contamos com a Vale, como já afirmei.
ESTRADA DE FERRO. SERÁ REALIDADE?
— Há o projeto da estrada de ferro, que sai de Conceição do Mato Dentro e vem até Itabira, passando pela divisa de São Sebastião do Rio Preto e Itambé do Mato Dentro. A discussão não esfriou. O certo é que não virá minério por mineroduto. A dúvida era fazer por linha férrea ou correia transportadora. Mas correia daqui até Conceição dá sessenta e tantos quilômetros. Parece que a manutenção é muito cara.
— A Vale tem minas em. Conceição do Mato Dentro, Morro do Pilar até Guanhães, que compõem o conjunto. Teremos uma região em crescimento. Está no plano.
ALTERNATIVAS ECONÔMICAS
— Estamos ligados no futuro em busca de alternativas econômicas. Já definimos as nossas. Colocamos na mesa aquilo que faz parte do nosso plano de governo, do que pensamos.. O polo educacional, polo médico, polo logístico, o agronegócio. O comitê está discutindo isso.
— De um lado é a Itabira sustentável. A Itabira que depende de nós, depende da sociedade civil organizada, depende da Prefeitura articular com a sociedade, com empresários, com associações comunitárias. Nós temos que articular para construir esse modelo novo de cidade. Sem minério, e sobrevivendo bem. Não digo que vamos cobrir os milhões que a Vale deixa aqui, muito difícil. Mas sobrevivendo bem. Do outro lado é o lado ambiental, que é todo o processo de descontinuidade da mineração que é da Vale, mas que nós vamos acompanhar para ter informação, para ver os impactos sociais e os impactos ambientais.
A VALE PRECISA DE ITABIRA
— Se a Vale fosse estatal, digamos que dependeria de vontade política, de mais articulação política para estabelecermos um diálogo. Ela, não sendo estatal, o diálogo é técnico. A Vale não tem sentimento, mas leva vantagem no econômico se fizer de Itabira um modelo e é isso de que precisamos e em que estamos focados. O lucro.
— A vantagem que a Vale tem é a imagem e reputação e isso vale riquezas hoje. Para uma empresa cotada nas bolsas internacionais, reputação vale dinheiro, vale muito. Não são apenas os ativos que contam — usinas, reservas minerais, máquinas. Existem empresas no mundo que perderam tudo por conta de reputação. A Vale nada quer perder, pelo contrário, planeja melhorar sempre a credibilidade.
MARCO: ESQUERDA OU DIREITA?
— Eu me propus à construção de um projeto novo. Foi isso que me moveu a vir para cá e isso está acima das ideologias políticas. Até porque Itabira vai precisar do apoio político, seja do Lula, seja do Bolsonaro. Não posso colocar ideologia na frente desse projeto. É claro que eu tenho as minhas preferências pessoais. Mas preciso situar Itabira acima de tudo. Se tivéssemos no Brasil uma democracia mais madura, talvez pudéssemos discutir mais abertamente isso, mas estamos nesse maniqueísmo, nesse ambiente de 8 ou 80.
— Não quero me meter, nem meter Itabira nisso. Fui eleito por um partido socialista, com o candidato a vice liberal, o Dr. Marco Antônio Gomes. O Carlos Cruz me descreveu muito bem: eu sou socialista-liberal. No fundo, é um pouco isso mesmo. Eu sou a favor da iniciativa privada, do lucro da iniciativa privada. Mas que garanta o bem social.
ITABIRA-POLO ACIMA DE TUDO
— Vou repetir o que já disse, para que fique mais claro: estou propondo criar em Itabira um polo de medicina de alta complexidade, um polo logístico e um polo educativo. Essa consultoria internacional, da qual me referi, vai nos ajudar a organizar tudo isso. Feito por quem? Pela iniciativa privada. Tudo com recurso da iniciativa privada. Eu quero transformar Itabira em um grande atrativo para o investimento, inclusive internacional. Quero que Itabira seja atrativa, atraente. Meu sonho é tornar Itabira um grande modelo de energia solar para que a cidade seja autossustentável e não dependa da energia hídrica, por exemplo. Isso vai ser um grande atrativo para investimentos. A empresa pensa: “Vou para Itabira porque não depende de energia hídrica e não tenho risco de crise energética, porque a cidade vai ter energia autossustentável”. Quem sabe o Pontal não possa se transformar em uma grande fazenda fotovoltaica? Por isso precisamos trabalhar em parceria. Onde hoje é barragem, pode ser no futuro uma usina fotovoltaica gerando gigas de energia para alimentarem a cidade. Estamos focados no turismo também. Vamos atrair a iniciativa privada para o turismo.
— A própria Vale pode fazer um museu a céu aberto. Mas não precisa ser só investimento da Vale. Precisamos criar um ambiente para iniciativa privada como um todo. O europeu está procurando onde investir no Brasil . Lá já está esgotado no turismo, por exemplo.
COMO ENTRA A UNIFEI NO PROJETO?
— Sim, a Unifei está cem por cento em nosso projeto. A universidade tem que construir conhecimento. Além de ter dez mil alunos…
— O Renato Aquino tem críticas ao processo que ele vê, mas, ele será convidado a fazer parte do Conselho de Desenvolvimento Econômico de Itabira. Faz parte das cabeças pensantes. A Unifei não pode ser só uma universidade para atrair alunos do Brasil inteiro. Ela tem que produzir conhecimento para a cidade e a região.
— O Parque Científico e Tecnológico tão falado tem que ser redesenhado para ser um atrativo para empresas. A empresa escolhe um lugar por três motivos fundamentais: qualidade de vida, custo para implantar o seu empreendimento e a mão de obra. Se ela não encontra mão de obra preparada, desiste. Aí que entra a universidade e o know hoow que a Vale vai deixar. Itabira já produziu grandes talentos, então a Vale também é um grande celeiro de talentos. É preciso juntar isso tudo: legado do conhecimento da mineração, universidade para produzir conhecimento, uma política tributária especial, incentivos. Nós precisamos chegar lá.
TEM LUGAR PARA O VALERIODOCE ESPORTE CLUBE?
— A recuperação do Valério é mais complexa, mas vamos buscar investidor. Vamos tentar atrair investidor para o Valério, porque o futebol brasileiro consegue atrair. Tem que ter gestão e paciência. Você imagina que as empresas lutam para ter clientes. O clube de futebol tem mais do que clientes: ele tem torcedores. As empresas lutam para transformar seus clientes em torcedores e amantes das marcas.É por isso que a Ferrari nunca vai quebrar.
ITABIRA QUER DINHEIRO EMPRESTADO
— Sim, quer dinheiro de juro baixíssimo. Vou explicar sobre o projeto que enviei à Câmara. O que fizemos é o seguinte: tenho a possibilidade de comprar um carro zero agora, financiado com juros “baratíssimos”, 3,4% ao ano. O custo desse recurso é barato e vem do Fundo de Participação dos Municípios (FPM), fonte permanente. Fazer agora por quê? Porque não quero ser o prefeito que faz obras só no último ano. Quero fazer já, não quero perder tempo. A cidade está sucateada. Encontrei a cidade sucateada.
— Eu me assustei durante a campanha. Recebemos, só na Secretaria de Obras, 1.300 indicações em cinco meses de governo, das quais metade, quase 600, são de vereadores querendo as pequenas obras. São obras na periferia: saneamento, iluminação pública, pavimentação de rua, esgoto, buracos. Esse dinheiro era e é, acredito, para fazer isso agora, já. Por que vou esperar juntar dinheiro se tenho dinheiro barato para isso? “Ah, tem dinheiro no caixa!”, dizem por aí. Verdade. tem. Disseram que são R$ 200 milhões em bancos. Tem, sim, mas é dinheiro comprometido com educação, com saúde. Não posso pegar esse dinheiro que está no caixa e usar para arrumar a rua. Está amarrado, a lei não permite. Não posso transgredir, inventar. Temos obrigações. Então, se posso comprar um carro zero agora, financiado em dez anos, sendo que posso pagar a prestação dele, não vai doer nada, porque é barato.
— Esse empréstimo Itabira teria (ou tem) que pagar até 2033? Mas não há problema algum. Com o dinheiro e os empregos que vão entrar, com a estrada de Senhora do Carmo a Ipoema, impulsionaremos o turismo com muito mais velocidade, gerando muito mais empregos e renda. Isso paga os juros de financiamento, de 3,4% ao ano, que é pouquíssimo, e sobra. Vamos ter que esperar? Vamos fazer de uma vez porque já vai gerando emprego, gerando receita. Se Itabira não aceitar outras prefeituras estão aguardando resposta positiva para receber esses valores.
— Assustam-se com dinheiro emprestado? As grandes empresas vivem de dinheiro emprestado, de financiamentos. Uma empresa privada como a Vale, por exemplo, também tem dívidas. Toda empresa pega dinheiro emprestado quando está barato. O nosso caso é para fazer o bem comum para as pessoas que estão cansadas de esperar há anos e a obra não chega na sua rua. A estrada do Carmo a Ipoema é importantíssima também.
NÃO À “CIDADEZINHA QUALQUER”
— Vamos envolver a comunidade itabirana inteiramente. Este é outro desafio. Vamos chamar os empresários, a sociedade civil organizada, as associações comunitárias que foram desidratadas nos últimos anos por estratégia política. Vamos fortalecê-las novamente. Vamos conversar com a cidade para que ela entenda que isso não é um projeto só de um prefeito. É um projeto para Itabira. Um projeto de todos, com total transparência. Vamos propor um pacto de transparência por nossa terra a todos os poderes. Ou Itabira faz uma grande mudança cultural ou ela vai pagar caro por isso. Seria uma “cidadezinha qualquer”. Não a essa possibilidade indesejável.
DEPUTADO BERNARDO MUCIDA
— Estávamos e estamos aliados ao deputado Bernardo Mucida. Ele atua na agenda com o Governo do Estado. Uma agenda de solicitações, basicamente de parte dos recursos da Vale. Ele está trabalhando para que Itabira receba uma boa parte do acordo Vale-Governo do Estado, originário dos desastre de Brumadinho.
— Notadamente, estamos buscando a duplicação do trecho das MGs 129 e 434, que liga Itabira à BR 381. A pauta com o governador é de curto prazo, porque, a rigor, a gente sabe que ele tem mais dois anos pela frente. É uma pauta curta e rápida. A gente não sabe se ele tem um próximo mandato ou não.
— Então, politicamente, estamos alinhados com o Mucida, participando com ele. Estivemos na Assembleia exatamente para tratar disso.
— A pauta da Vale é diferente. Ela é técnica e não política.
José Sana/NS
Fotos: Notícia Seca, Brás Martins da Costa, Coord. Com. Social / PMI, Divulgação
Excelente, esclarecedora e inédita no tocante à linha férrea de Conceição do Mato Dentro à Itabira, passando no limite de São Sebastião com Itambe! Tu sei brevíssimo Sana, como diria um Italiano da Gema!!! E ao Marco, meu colega de Fiat por muitos anos, meu voto de confiança e boa sorte!