Vamos contar a história de um mecanismo bem planejado e que tinha como objetivo transformar Minas Gerais e o Espírito Santo como estados eminentemente desenvolvidos. Parte dos lucros da Vale se destinavam a uma instituição que seria a força de mais de uma centena de municípios. Parece que os prefeitos não entenderam, usaram pouco o que havia ao dispor. Hoje, com a mineradora lucrando bilhões, com certeza haveria um “boom” de crescimento na região planejada.
Agora, parece que o atual prefeito de Itabira, logo na sua posse, percebeu o erro, concretizado na privatização da empresa e lançou uma promessa de recriar a instituição. Só que agora não será mais sobre o patrocínio da Vale — ou será? — a não ser que reivindique à empresa o direito abandonado.
ISRAEL PINHEIRO
Israel Pinheiro da Silva. Ele mesmo. Chegou a governar Minas Gerais. Antes, primeiro superintendente da Companhia Vale do Rio Doce em Itabira, logo a seguir, seu presidente. Nomeado por Getúlio Vargas, ele pretendia, também, implantar uma usina siderúrgica em Minas Gerais, embora não fosse em Itabira, mas Governador Valadares. Teve como mérito planejar o desenvolvimento de Minas e do Brasil, por meio de toda a região de influência da Companhia Vale do Rio Doce. A usina não veio para Minas, mas para Volta Redonda (RJ), a Companhia Siderúrgica Nacional (CNS).
“Israel sonhava transformar o Vale do Rio Doce no Ruhr (1) brasileiro… Além da extração do minério, era propósito do governo, ao criar a empresa, promover o desenvolvimento da Zona do Rio Doce, desde o litoral até suas nascentes. Para tanto, introduziu em seu estatuto um dispositivo, destinando o excedente dos lucros por ela auferidos, depois de feitas as deduções legais e pago o dividendo aos acionistas, para a criação de um Fundo de Desenvolvimento da Zona do Rio Doce. Os recursos do fundo seriam aplicados em projetos elaborados por técnicos da Vale do Rio Doce (Companhia), de acordo com os governos dos estados de Minas Gerais e do Espírito Santo e aprovados pelo presidente da República.” (VAZ, Alisson, Mascarenhas (1996. Israel, uma vida para a história. Rio de Janeiro: Editora CVRD, p.167).
RUHR ALEMÃO
O Vale do Ruhr (em alemão, Ruhrgebiet, coloquialmente, Ruhrpott) é a região metropolitana mais populosa da Alemanha e também a maior região industrial da Europa. Está situada no centro do estado da Renânia do Norte-Vestfália, ao longo do leito do rio Ruhr. Trata-se de uma formação de onze cidades e vários municípios dos distritos administrativos (Kreise) em seus arredores, cujos crescimentos ocasionaram a ligação direta entre um e outro, quase sem espaços rurais entre eles.
Os limites urbanos da região são difíceis de serem impostos, principalmente ao sul, uma vez que a área de municípios mais povoados seguem continuamente e se misturam com os da região metropolitana de Düsseldorf. Esta conurbação forma parte da megalópole conhecida como região do Reno-Ruhr.
O DECRETO DO FUNDO
Assim reza o Decreto-Lei Nº 4.352, de 1º de junho de 1942 – Art. 6º: “Para exploração das jazidas de ferro de Itabira e do tráfego da Estrada de Ferro Vitória-Minas, fica o superintendente autorizado a praticar todos os atos necessários à constituição de uma sociedade anônima nas condições adiante fixadas. § 7º – O dividendo máximo a ser distribuído não ultrapassará de 15% e o que restar dos lucros líquidos constituirá um Fundo de Melhoramentos e desenvolvimento do Vale do Rio Doce, executados conforme projetos elaborados por acordo entre os Governos dos Estados de Minas Gerais e do Espírito Santo, aprovados pelo Presidente da República”.
Observe-se que o percentual inicial era de 15% mas, no decorrer do tempo, foi reduzido para 8%, consideradas as dificuldades da CVRD de reerguer-se depois do término da Segunda Guerra Mundial.
DO CAOS AO “BOOM”
Após a Segunda Guerra Mundial, a CVRD não tinha mercado para continuar sua acelerada extração e voltou praticamente à estaca zero. Foram cerca de dez anos de caos, sem dinheiro e até sem crédito na praça de Itabira, principalmente, o seu berço natal. Como já vimos, em Itabira a mineradora encontrou socorro e isso traz ainda mais dívidas morais para a atual Vale, queiram ou não seus investidores. Ao lado do esfriamento das atividades mineradoras, o Fundo de Melhoramento tornou-se inócuo e desprezado até.
Aí, apareceu um milagre chamado Eliezer Batista da Silva, reconhecidamente o grande propulsor das vendas internacionais de minério de ferro e Itabira voltou a extrair a rica hematita do Cauê e, depois, implantar usinas de concentração para aproveitamento do produto de menor teor de ferro. A mineração transformou Itabira e o Brasil, a Vale se agigantou, este é um capítulo que ainda veremos. Com a nova expansão, que se prolonga até os dias de hoje, os 8% não foram um tanto valorizados, já se falou na falta de fiscalização de possíveis interessados, os políticos.
Quando da privatização da empresa, em 1997, diluiu-se o Fundo numa legislação desburocratizada mas sem compromissos. Ninguém falou mais do assunto, nem os municípios que foram ou seriam beneficiados. Hoje não se fala mais nele, que tinha, ainda, o objetivo de compensar os municípios da área mencionada pelos estragos provocados pela mineração.
RUHR BRASILEIRO
Outros autores históricos, que se dedicaram ao tema, como Ana Gabriela Chaves Ferreira e Maria das Graças Souza e Silva, também discorreram sobre o fundo de reserva: “Conforme consta de seus estatutos, a Vale do Rio Doce deve aplicar até 8% de seu lucro líquido anual em investimentos voltados para o desenvolvimento socioeconômico das áreas em que opera nos estados de Minas Gerais e Espírito Santo” (CVRD, 1992: 271 apud FERREIRA, 2015, p.87 e SILVA, 2004, p.92).
O conhecido Fundo de Desenvolvimento da Região do Rio Doce funcionou de certa forma, burocrático e com poderes políticos nas mãos do presidente da República, centralizado. Era destinado a 126 municípios de Minas Gerais e 21 do Espírito Santo, tinha regras estabelecidas.
Era exatamente o sonho do primeiro presidente da Vale. Alguém pergunta se funcionou. A resposta é sim, mas com o pouco interesse dos 137 municípios — a mineradora era estatal — seu lucro ficava sem fiscalização, notadamente de deputados e senadores, ou cobrança dos prefeitos que sequer se organizaram.
Contudo, na sua posse, em 1º de janeiro, o prefeito Marco Antônio Lage, de Itabira, abordou o tema com ênfase, embora de outra forma, seria um fundo regional criado pela cidade-polo para sua região e não o mesmo dos 137 municípios de toda a Zona do Rio Doce.
MARCO ANTÔNIO LAGE
Extraímos parte do discurso do prefeito de Itabira, Marco Antônio Lage, eleito em 15 de novembro em que ele trata do tema, embora sem focalizar a Vale, quem sabe possa incluir e criar uma entidade própria para gerir a sua proposta. Leiam:
“Com tal exposição de compromissos consumados com Itabira e com os itabiranos, precisamos inserir uma nova atividade que o tempo e as circunstâncias requerem: de há muito o mandatário de Itabira precisa, claramente, assumir a sua condição de líder regional. Temos dezenas de municípios ao nosso redor, os quais contribuem e ao mesmo tempo requerem, ou já usam, a nossa vocação natural de cidade-polo.
Vamos listar toda a região de influência, convocar cada um de seus representantes a virem juntar-se a nós para uma parceria inédita na busca de nosso futuro. Não podemos, jamais, fugir deste compromisso, desde muito Itabira é o centro educacional, de saúde e de desenvolvimento. Não há crescimento isolado, precisamos fortalecer com os nossos recursos de apoio e o que for possível, para que todos cresçam unidos.
A própria Vale, em seu decreto de nascimento, em 1942, nasceu com o anúncio e o crescimento de uma reserva denominada Fundo de Melhoramento e Desenvolvimento da Região do Vale do Rio Doce, que durou enquanto existiu a empresa estatal. Com a privatização, não se acordou para o vácuo aberto entre os municípios da região de influência e o seu principal foco de distribuição de riquezas. Agora, Itabira deve tomar as rédeas e juntar-se a outros municípios para a luta por um desenvolvimento não somente sustentável mas, principalmente, integrado e social. E assim, firmamos o nosso compromisso”.
Por hoje é só, registro a parte 4 de nosso documentário chamado Reinvenção Itabirana.
José Sana
12/04/2021
Fotos: Acervo CVRD/Arquivo N.S./ Marcos Caldeira/Divulgação
Bibliografia: à parte