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É antigo e até tradicional o termo “vou lhe dar umas palmadas”, pura expressão de ser o máximo que Ceomar Paulo Santos faria com alguém numa conversa entre amigos. Sem nunca alterar a voz com quem quer que fosse, sem xingar jamais a mãe de um cidadão durante seus 86 anos de vida, Ceomar faleceu anteontem, 16 de janeiro de 2025, vítima de complicações pulmonares, depois de alguns meses em tratamento no Hospital Nossa Senhora das Dores, de Itabira. Nascido em Belo Horizonte, era filho de Cleto Santos e Maria Soares Santos, economista, embora nunca ter exercido a função. Casado com Ana Maria Jorge dos Santos, deixou filhos e netos.

OS JUÍZES E MAURICINHO

Notáveis citações à frase ocorriam nos jogos do Valeriodoce, à beira do campo, ou alambrado, num passado não muito distante. Quase sempre os juízes “roubavam” do Valério. Enquanto alguns torcedores exaltados gritavam palavrões impublicáveis e sem economia de ofensas. Ceomar contracenava com os bandeirinhas e os árbitros, prometendo-lhes palmadas.

No Israel Pinheiro havia sempre jogos de gala, como antigamente com o Botafogo e sempre com Atlético e Cruzeiro pelo campeonato mineiro. Chegou um domingo de o Galo jogar em Itabira. Tudo certo para início do prélio, sol a pino, bandeiras tremulando, gritos de ambos os lados. Dada a saída, a bola caiu nos pés do aguerrido e veloz Mauricinho que, não sei o que deu, comete falta num adversário. Juro que não vi o lance, nem a sua gravação, só me recordo do senhor juiz levantar o cartão vermelho e expulsar o craque valeriano. A torcida caiu na depressão, só disso me lembro, o Valeriodoce perdeu, não me recordo o placar, a graça se foi.

Mas ocorreu um fato interessante. Nosso personagem, Ceomar, como sempre doente com o time itabirano, reprovou a ação agressiva do árbitro, soltou, na beira do alambrado resmungos inaudíveis, mas, com certeza lembrou-se de que havia feito, antes da partida, um alerta aos jogadores, ainda no vestiário: “Cuidado, gente, com esse juiz, ele costuma ser muito rigoroso com a gente!” E então, Mauricinho andou rente e desolado para fora do gramado até entrar para o vestiário, cabisbaixo, coitado. Atrás dele estava o gentleman destinando doces  palavras: “Eu falei, eu adiantei, Mauricinho, vou lhe dar umas palmadas!”

UMA VEZ COMIGO

Agora foi comigo. Eu trabalhava com ele, na Vale. Ceomar  Paulo Santos como relações públicas, depois gerente, ocupando o lugar do quase eterno secretário do superintendente, Fernando José Gonçalves, aposentado. Eu era assessor de imprensa. De mim saía tudo escrito.

O relações públicas  cumpria religiosamente a função de promover o Valeriodoce no Brasil inteiro. Durante toda manhã, de segunda a sexta-feira, ele falava com as emissoras de rádio mais importantes de Belo Horizonte, dando detalhes do dia a dia valeriano. Na área esportiva ele era expert, que captava tudo e transmitia aos repórteres de BH. Sempre, sempre, sempre, ele me designava para fazer uma parte que nunca fez: acompanhar a delegação valeriana a diversos jogos em outras cidades. Naquela quarta-feira, à noite, o Valério jogaria com o Cruzeiro no Mineirão.

Cruzeiro de Tostão, Dirceu Lopes, Hilton Oliveira, Raul, Pedro Paulo, craques dos quais me recordo. O técnico valeriano era Percy Gonçalves, que foi jogador também. Num momento do jogo em que o Valério perdeu por 3 a 2, houve um desentendimento dos jogadores valerianos com o árbitro, que expulsou um atleta do VEC.

Ceomar era conhecido da crônica esportiva mineira pela voz, pela gentileza, pela educação e prestimosidade, mas não pessoalmente. Na hora do desentendimento, arranquei-me do túnel e fui tomar satisfações com o soprador de apito. Ele me expulsou. Repórteres me cercaram, chamando-me de Ceomar. Não tive tempo de desmentir. Enquanto isso, em Itabira, naquela noite fria, o diretor do VEC ouvia o jogo pela Rádio Guarani, debaixo do cobertor, em sua casa.

Contaram-me depois que ele vibrou com a invasão de campo e pela “mudança” de seu nome. Mas quando retornamos a Itabira  chamou-me  na responsabilidade: “Sana, tenho um acerto a fazer com você. Ontem você invadiu o campo em meu nome. Olha, vou lhe dar umas boas palmadas!”

Assim eram os castigos imaginários do ser humano refinado que perdemos e nos deixa saudade. Até de tantas palmadas que nunca distribuiu e já foi recebido no Céu. Sem palmadas. Seus amigos dizem que foram vivas. E ele ria tanto quanto nas vitórias do Valeriodoce Esporte Clube.

José Sana

Em 18/01/2025

Fotos de amigos

PS-1: No velório, chamou a atenção uma placa exposta em homenagem assinada por João Mário de Brito, que havia assumido como presidente do VEC, em julho de 2023, ao grande diretor, benfeitor e torcedor Ceomar Paulo Santos. Notável reconhecimento da diretoria valeriana ao imbatível defensor do clube fundado em 1942, logo após a criação da velha Companhia Vale do Rio Doce.

NS
José Sana, jornalista, historiador, graduado em Letras, nasceu em São Sebastião do Rio Preto, reside em Itabira desde 1966.

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