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Estou triste, sim. Quantos não estão? Perdemos uma pessoa especial, sim. Todos perdem a cada hora ou minuto, ou segundo, no mundo, uma figura especial. Perder uma mãe não é acontecimento  para se suportar. Mas Deus, por meio da Natureza, nos dá plenas condição de enfrentar a dor. Perdemos Magda Sana de Morais, 95 anos, nascida em Passabém, criada em São Sebastião do Rio Preto e a maior parte da vida vivida em Santo Antônio do Rio Abaixo, na Fazenda dos Bambus.

Ela era uma das mulheres mais bonitas do Planeta Terra. Por isso, Antônio Ferreira de Morais sempre insistiu em casar-se com ela. Para provar o amor, tiveram 11 filhos, ou melhor, 12, o primeiro ficou na lembrança, na memória. Seu nome também gravei: Élio.

Neste momento, quem me lê, ou me ouve, ou reflete sobre estas palavras, deve pensar o seguinte: “O que esse sobrinho enxerido tem a ver com Magda, ou Dona Magda, se ele não é filho dela?” Mas aí é que reside o X da questão: ninguém melhor que um humilde parente para assinar um documento em branco por uma tia ou tio, ou primo, ou amigo! O filho esteve em jornada no útero, depende, mama, procura aconchego; o sobrinho para, observa e aí acontece o carinho. Nasce o amor.

Vejam esta: ao lado do marido, ela lia atentamente (e sem óculos) a revista DeFato, ano de 2005

Vou defender uma tese agora, rapidamente: tenho 6, 7, 8, 9, 10, 11, 12, 13, 14 anos de idade. Escolha você que me lê, ou me ouve, e imagina, quaisquer dessas idades acima mencionadas. Em cada uma delas, religiosamente nas férias de julho ou janeiro, estava eu lá intrometendo-me no meio das pencas de primos que nasciam quase simultaneamente. O exagero se explica porque eu quase confundia, de seis em seis meses, o semblante de cada priminho.

Certo. Apeava eu de um cavalo, ou melhor, de uma égua que batizei como Bicicleta, roubada mas recuperada pelos tios Alfeu e Nitinho. Tímido nas primeiras vezes, depois atrevido, quando me sentia um menino da casa, era recebido com incontáveis abraços e beijos. Primeiro ato: uma merenda para festejar a chegada; um pouco mais tarde, o almoço, ou o jantar, ela sempre vigiando meu prato, fazendo com que comesse como os meninos, saboreando as dezenas de iguarias expostas na mesa. Adultos também estavam lá. Era um self service sem balança e sem pagamento. A sala de jantar dava a ideia de um farto banquete de segunda a segunda-feira.

O que vem por aí é um ato simples e sei lá, acho que muito emotivo, que se repetia pelo menos até eu somar 14 anos. Aos 6, veja só, o fato ocorreu: camas arrumadas para o sono de uma noite tranquila, cada um tinha a sua. Meu quarto era no fim do corredor, ao lado de Edson, Edilon, outros e outros (Edésio, Ernane, Edivaldo, desculpem se errei a ordem, os meninos).

Tia Magda: uma mulher que passou por 12 partos e que nem o tempo esmaeceu sua plena beleza

A  emoção ainda ocorreria. Olho em volta e vejo o meu leito de verdade: fronhas e lençóis brancos; cobertores de lã e agora vou falar do inesquecível: o acompanhante de café da manhã — pão, bolachas, biscoitos, fatias de várias quitandas — colocadas numa sacola branca, límpida, com um detalhe que agora vou contar. Faço suspense, sim, porque a primeira vez era mais que emocionante.

Estava escrito e bordado  lá o meu nome, apenas “José” (não havia outro) , ao lado de outras sacolinhas, algo assim parecendo um carinho de mãe, algo pensado, caprichado, para agradar uma criança, fazê-la sentir-se como participante daquele lar abençoado. Não me lembro se chorei, se apenas engoli em seco, sei que tive uma anotação na memória, algo que denomino inesquecível. Sabia que, mais tarde (porque sou o sobrinho mais velho dos queridos tios), o mesmo carinho era feito com Mercês, Carlos, Marcos. É só conferir com um por um.

A simplicidade dela: de conversa animada com a sua “netinha” Marlete no fundo com o tanque de lavar roupa (e ela lavava)

Hoje, quando acabamos de nos despedir, tenho resposta para muitos que me perguntam: “Por que você tem carinho por seus tios?” Deixo para o tempo dar a resposta, mas fica claro que é uma tentativa de reconhecimento acima de setecentenário. Deus me permitiu ser eternamente grato. Uma sacolinha personificada produz  uma gratidão inenarrável. Mas não era este somente o carinho dela, é claro, é um emblema que a memória jamais descartará.

Aos primos, que tanto sofrem agora e sofreram antes, um consolo: ouvi uma senhora humilde segurar seus sentimentos na saída do féretro para o cemitério e pronunciar a seguinte frase: “Dona Magda merece muitas lágrimas; fará falta mesmo deitada no seu quarto, de carinha boa, durante muitos anos; ela está com Deus”.

É este o meu eterno sentimento por ela: uma sacolinha branca, dependurada na cama, com nomes de filhos, irmãzinha e sobrinhos, selaram um amor que segue para além da vida e para além da morte.

José Sana

Em 02/07/2023

Fotos: Arquivo

NS
José Sana, jornalista, historiador, graduado em Letras, nasceu em São Sebastião do Rio Preto, reside em Itabira desde 1966.

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