O cara, conhecido como Zé Capeta (nada a ver com os fantasmas do Parente) chegou a um boteco copo sujo e soltou sua declaração de amor à vida:
— A partir de hoje, não escrevo nem mais uma linha para este mundo doido não ler!
A plateia levantou-se em altos brados. Um dos mais exaltados retrucou: “Oh, seu sem-vergonha, se isso é a única coisa que sabe fazer, de agora em diante você vai ocupar-se de quê?
A resposta não demorou, em réplica do tal prometedor de silêncio:
— Vou vender ora-pro-nóbis na feira livre de Itabira.
O susto foi maior. O novo entrante na venda da periferia não tem cara de vendedor de verdura, nem a escolha comercial é viável economicamente, todos sabem. Ora-pro-nóbis dá na rampa como chuchu. Observando as pessoas desconfiadas, resolveu repetir um discurso que havia decorado em casa:
— Ele (o ora) provoca alívio instantâneo de qualquer dor; tem maior concentração de ora-pro-nóbis do mundo; serve para colocar um fim na dormência e fortalecer os ossos e a musculatura; é um anti-inflamatório, antimicrobiano, antioxidante e antibacteriano que não provoca efeito colateral; 100% natural e poderoso.
Ufa… chegou uma personalidade marcante na vida política e da sociedade de Itabira, o Pé de Pato. Acompanhado de Pedro Rapadura, anunciou que também não quer mais ser personagem dos contos sem graça do cara que entrou fazendo zoada sobre ora-pro-nóbis. Pediu dois copos e uma cerveja, antes uma cachacinha muito estimada na região, a “Malatesta”.
Ambos — Pé de Pato e Pedro Rapadura —, ao ingerir a aguardente, rasparam a garganta e jogaram a pequena sobra para “os santos”, tradicional gesto próprio dos pinguços. Em seguida se entrosaram com o cara que não vai escrever mais, Zé Capeta, prometendo fazer o seguinte: vai proclamar solenemente o porquê de seu silêncio e o reforço à iniciativa.
Rapadura declarou que neste texto seriam justificados os verdadeiros motivos da abstinência política. E que, com o tempo poderia aceitar redigir textos, mas não para defender políticos descarados. Fez uma pergunta, olhando para a cara de um por um dos cachaceiros que o observavam:
— Vocês querem que este meu amigo pare de escrever ou não querem? Vamos proceder como os vereadores na Câmara Municipal. Eles colocam em votação. E levantou mais ainda a voz, enquanto nas portas da venda se juntavam e ajuntavam curiosos para rir de alguma anedota.
— O beberrão que não estiver favorável permaneça como está, assentado ou de pé; quem for de acordo levante as mãos, grite e fique em posição de sentido.
Foi um fuzuê, como na novela da Globo. Trombaram-se cadeiras com mesas, copos estilhaçados, garrafas entornadas e desperdiçadas para o lamento de quem ali estava como penetra, filando de tudo — de cigarro a pinga e daí à mais difícil, a tal “100% malte”.
Zé Capeta, chamado de “o cara”, voltou a dizer, sob os aplausos de todos e gritos estridentes, que vai tentar só ler. Contudo, esqueceu-se que hoje é Dia de Proclamação da República e não 7 de Setembro. Talvez porque era meio escolado e sabia que a ação foi um golpe militar dedicava mais amor à independência.
Empurrado por aplausos, gritou alguma coisa, chamando para uma saideira, ao levantar a espada, ou melhor, uma faca quase afiada, sem carne para cortar:
— Jogo-a a fora! Deficiência no corte!
Nota da Redação
Zé do Burro só anotou. Mas confidenciou a quem tem confiança nele, Zé Capeta queria ser adulado. Entrou pelo cano e ainda encontrou a torneira fechada.
José Sana (Para também O Planfeto)
15 de novembro de 2023