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Vários senhores criaram suas famílias prestando serviços de transporte de pequenas cargas em seus burricos. Os valentes jumentos puxavam carroças também, cheias de areia e material de construção. Transportavam de tudo. Até mudanças faziam. Luiz Gonzaga tinha uma música que dizia:  o jumento é nosso irmão. O jumentinho, se não me engano, esteve até junto a manjedoura. Todo presépio que se preza tem um burrico. Mas chegaram os automóveis, as motos, caminhões, pickups, furgões e agora os drones e os burricos caíram em desuso. A gente quase não vê em lugar nenhum. Lembro-me de criança, de ter andado na boleia de uma charrete. Não era puxada por um lindo cavalo, mas por um burrico, jumentos, asnos ou afim. Na realidade era uma covardia. Um mini-cavalo daqueles carregando cargas quase sempre maiores que sua capacidade.

Talvez a vida dos burricos esteja até menos sacrificantes. Se é que não foram exterminados ou impedidos de se multiplicar, já que se tornaram inúteis ou quase ornamentais. E não é que os cavalos também caíram em desuso? Foi o principal meio de transporte por muitos séculos. Mas, mesmo na roça, a gente quase não vê mais cavalos. Vemos os equinos sendo substituídos pelos cavalos de aço. Pois somos os burricos da vez.

A chegada da Inteligência artificial cria uma horda de burricos. Muitas profissões serão irremediavelmente atingidas. Muitas vão desaparecer, que nem os burricos. E se os robôs do Elon Musk derem certo, ai não serão mais necessárias empregadas domésticas, faxineiras, pessoas pra trabalhar no campo, na indústria. Vejam que maravilha. Os ricos não vão precisar dos pobres pra mais nada. Enfim livres da gentalha. Eu sei que sempre foi assim.

As tecnologias atropelam. Foi assim com a chegada da revolução industrial e agora temos a revolução da inteligência artificial. Não há possibilidade de disputa se um dispositivo faz em 5 segundos um trabalho que nos tomaria, sei lá, 10 dias de pesquisa e execução. É muito desconcertante. Muito me impressiona o pessoal inebriado com a ideia das Ias, sem pensar no outro, naqueles que estiveram juntos ajudando a carregar o piano. Vejo principalmente o pessoal das agências, das produtoras com o seguinte raciocínio: -que bom! Agora não vou precisar contratar ninguém pra gravar uma locução. Não vou precisar contratar ninguém pra criar uma trilha sonora.  Não precisarei contratar redatores, roteiristas, nem editores. A IA faz tudo e de graça. Como diz um amigo, o capitalismo não tem coração.

Pra uns ganharem, muitos vão perder. Foda-se quem perder. Como diz o samba, “cá pra nós, antes ele do que eu”.  As pessoas só se tocam quando sentem a mordida no seu queijo. Mexeu no queijo, neguim já dá pirueta.

Muita gente me fala: Martino, vai ficar melhor. Agora você não vai precisar mais contratar músicos nem cantores pra cantar os jingles que você criar. Uai! Pra que alguém vai precisar de alguém pra criar jingles ? É só pedir direto pra IA. Sou taxado de pessimista, repreendido toda hora, dizem que estou me ancorando no passado. Claro que estou procurando alternativas pra sobreviver.  Eu sei que não tem volta, que a máquina de escrever ficou obsoleta e acabou com os cursos de datilografia, que o fax acabou com o telegrama e depois a internet acabou com o fax. É cruel mesmo. Me sinto um burro velho, empacado, mais obsoleto que um tacape.

NS
José Sana, jornalista, historiador, graduado em Letras, nasceu em São Sebastião do Rio Preto, reside em Itabira desde 1966.

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