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O tempo passou, mas os fatos de outros mundos continuaram atuais. A Loira do Parente, que deu sopa no centro da cidade no início de 1945, em  história contada pelo saudoso Marconi Ferreira, acabou dando a entender que retornava 40 anos depois, agora para outro funcionário da própria Vale, um motorneiro da Estrada de Ferro Vitória-Minas (EFVM), solteiro, 25 anos, frequentador de zona boêmia, nos locais chamados Sozinho, Maria Escurinha, Zezé e outros meretrícios menos frequentados.

José Queiroz, a vítima, ou o contemplado. Nem podia ser outro, Queiquei, ou José Dimas de Queiroz, este o nome dele de cartório e pia batismal, é o personagem de hoje. De vez em quando o chamavam de Queiquei, que usurpava a coragem dos amigos por meio de cachaça, vodka, uísque que bebia do copo alheio. Ultrapassava a linha divisória da razão a ponto de realizar algo que ninguém imaginava: desafiar almas do outro mundo.

Ele, Queiquei, não se aquietava e se dava a aventuras até nas beiras das lagoas da cidade, em número de 15. Encontrava sempre surpresa  em cada barragem construída faz longos anos pela velha Companhia Vale do Rio Doce (na foto acima, uma visão sua na Barragem do Pontal.

Zé Queiquei tinha o dom de fazer muitos amigos, mas com uma ressalva. Seu fraco, ou forte, como ele dizia, era sexo, mulher, até esporte, futebol que não o interessava tanto. Como exemplo, tinha uma camisa do América Mineiro, só, às vezes dizia que era americano porque seu pai tinha uma certa simpatia pelo time verde. Ultimamente algo que tomava o tempo de Queirozinho (era assim que seus pais o tratavam, além de Queiquei) a visão de uma mulher alta, loira, bem-vestida, de saltos altos, de passos elegantes, bonita, bem maquiada, lábios carnudos como requer a moda, no meio das pedras e terras, nas madrugadas (precisamente à meia-noite). Ela o olhava cada vez com mais força nos olhos, detidamente, e desaparecia na mesma curva.

A  curva era da rua Prefeito Virgilino Quintão, caminho do bairro Água Fresca, passando pelo antecedente, Cônego Guilhermino. Queiroz não suportou guardar para si o seu segredo, contou a um amigo , Joaquim Fujico, este o tarado, cujo caso seremos obrigados a focalizar em breve, vamos estudar, a história de uma mulher diferente que vagou pelo bairro Penha.

Mas voltemos à loira de Queirozinho, atraente, que tirava a paz de nosso personagem, ele conta, primeiramente, para seu amigo Fujico, cujo segredo era mais marcante. E o caso caiu no conhecimento até de medrosos e mais velhos que evitavam falar de fantasmas. O caso da Loira do Caminho Novo já parecia o retorno da Loira do Parente, comentavam antigos frequentadores da Avenida Martins da Costa, em frente a sede da Banda Euterpe Itabirana.

“Não pode ser a Loira do Parente”, protestou a unanimidade da  roda de cerveja em um  bar próximo ao meretrício. Um mais eloquente, Mané Rapadura deu até um murro na mesa que quase caiu e entornou as bebidas. Rapadura, amigo de Sônia Doida, repetiu tanto que até Joãozinho, do João XXIII, que já estava “chapado”, questionou: “Por que não? Pode ser, uai!”!

A resposta veio com ar de gente que conhece a fama de Itabira, tanto a história quanto a fama, que calou os demais, a partir da boca de Geraldo Majela (com j mesmo, alertava ele): “Porque são passados quase 80 anos que a Loira do Parente dançou e desapareceu e nesse tempo, ela já padeceu no inferno ou no purgatório, ou no céu”.

Silêncio total no ambiente do bar e fora dele , cujas cadeiras se arrastavam pela esquina da Virgilino Quintão, ocupando parte  da rua Turquesa, até que pintou no local o primeiro, ou talvez o único privilegiado que via — de ver com os olhos —  a Loira do Caminho Novo com assiduidade. Ele, cansado de ser procurado pelos curiosos para narrar o caso, naquela noite de fim de século, resolveu abrir o verbo. E que verbo, até uma frase que parece um pleonasmo veio de um participante: “Olha pra você ver!”

O sujeito que talvez tenha espiritualidade profunda deixou a sua opinião sincera: “A mulher que vejo sempre não é do Além neca nenhuma como foi o caso contado pelo “Menino da Mina”, o Marconi. A loiraça que observo todos os dias: ou de  saias compridas, ou de short, dependendo do clima, frequenta salões de beleza por aí, faz sempre  unhas e maquiagens, usa batom  avermelhado, combinando com alguma roupa do corpo, não é manjada como algumas da vida, tem os cabelos pintados de cores variáveis e, o mais interessante é que  sorri sempre com um ar otimista e me cumprimenta com muita simpatia…” — esclareceu o “privilegiado’ rapaz,  gabando-se do seguinte: ambos estariam apaixonados.

“O incrível é que a Loira nunca subia o morro se eu não estivesse indo para casa, jamais a vi  em outro horário senão naquele tempo em que Machado de Assis contava suas assombrações. Isso me deixou um pouco desconfiado” — afirmou Queiroz.  Já levei amigos até o alto da rua, dobrando a esquerda sempre, acima do Premen, desaparecendo no Cemitério da Paz, mas só eu consigo ver. Quando o coveiro está por lá, adeus, Loira, ela some”.

Assunto encerrado naquela noite, José Queiroz resolveu demorar um pouco e subir para casa por volta de 23 horas e tanto, quase meia-noite. Fez hora num outro bar que, de olho no relógio, tomou o rumo de casa. Viu a Loira chegar junto dele depois da passagem do trem acima do túnel. E ela parecia iluminada, risonha, a tudo atraindo na sua perspectiva.

“A Loira existe”, pensou consigo mesmo. E mais surpreso ficou ao manjar os longos  braços que o  entrelaçaram carinhosamente o pescoço e o puxavam para junto de si, fazendo-o sentir um perfume super agradável, logo ele que detestava muitas fragrâncias comuns. Queiroz suspirou. O casal  caminhava na subida, beira da calçada, até que ele resolveu soltar a sua voz, depois de ouvir e vibrar com a voz fina, de menina nova, a frase que ficou gravada como inesquecível em sua memória: “Querido”.

“Queiquei, sou sua”, continuou a Loira, fazendo estremecer nos seus 25 anos que pareciam de adolescente. Ela mesma adiantou o que ele mais sonhava: “Somos da mesma idade”.

Então, emocionado, José Dimas soltou a voz: “Te vejo muito aqui, subindo esta rua, você vem sempre à meia-noite… Me estranha demais.  Não tem medo de algum louco ou até mesmo qualquer bandido a atacar, pois é nova e bonita?”

A loira não teve  o receio de dar-lhe uma resposta e fê-lo com relativa simplicidade, retirando o braço de seu ombro, mostrando que estava de axilas depiladas, que era higienicamente caprichosa como a sua beleza:

“Não, menino, não tenho receio de ser agredida”.

“Não tem?” — retrucou Quim — Me explica de onde vem essa coragem!”

“ Quando eu era viva, sim, era medrosa, hoje, não”!

Nesse momento houve o desmaio. Do rapaz, sim. Que acordou dentro da ambulância do Samu quando era encaminhado para atendimento no Hospital Nossa Senhora das Dores.

Zé do Burro

 

 

Imagens: Arquivo pessoal

P.S.: As loiras que andam por aí  podem desconfiar, que sejam  personagens deste conto, mas que fiquem sossegadas, ainda vou revelar o nome dessa, quando era viva.Eu só aviso: sejam condescendentes e não ataquem o Zé do Burro que isso pode estourar.

(Continua no Capítulo 3)

NS
José Sana, jornalista, historiador, graduado em Letras, nasceu em São Sebastião do Rio Preto, reside em Itabira desde 1966.

    No maior terminal de minério de ferro, volume de exportação nunca foi tão grande

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