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—  Me dá uma CPI…

— Simples ou composta? Pequena ou dupla? — responde e pergunta o garçom.

— Mistura tudo e me dá a CPI, moço!

 

A seguir, aparece uma garota vestida a caráter da moda, parafusos para tudo quanto é lugar de pendurar, e  faz o seu pedido:

— Você tem CPI?

—  De comer ou de beber? De comer só temos de frango ou bacalhau.

—  Embrulha uma de frango e duas de bacalhau… quentinhas! Quanto tenho de pagar?

—  Veja lá no caixa, por favor!

 

Assim está o Brasil hoje: CPI pra lá, CPI pra cá, em todo lugar só se fala e se ouve a sigla sendo pensada, falada e gritada. Tem de comer, de beber; às vezes faz bem, às vezes faz mal; vomitam ou têm diarreia; dor de cabeça é mais comum; mas a maioria está adorando entrar numa igreja ou salão e ver o palestrante homenagear a CPI. Nas farmácias o único remédio chama-se CPI e nos restaurantes passou a ser servida à la carte.

Nas câmaras de municípios de todo o país o prato do dia não varia das casas de alimentação: “Vou pedir uma CPI”. “Quem assina na minha CPI?” “Depois dessa CPI temos de fazer outra CPI”. A palavra se tornou mágica, amedronta às vezes, mas na verdade é algo oco, sem contexto consistente.

 

Segundo documentos extraídos das constituições Federal, Estadual e dos Regimentos das Câmaras  Municipais,  a Comissão Parlamentar de Inquérito (nome por extenso é CPI) é uma investigação conduzida pelo Poder Legislativo, que transforma a própria casa parlamentar em comissão para ouvir depoimentos e tomar decisões suas, às vezes embasadas em pareceres técnicos, ou até conversas sem pé nem cabeça, mas na maioria sérias.

E agora fica claro o que já era sabido desde o meu tempo de vereança, de 1973 a 1982:  na esfera municipal o nome correto da  palavra de ordem, hoje, é Comissão Especial de Inquérito (CEI) ou Comissão Parlamentar Municipal de Inquérito (CPMI). Fica, portanto, feito o lembrete importante  porque o impacto é maior e o cardápio das lanchonetes avança na esfera gastronômica.

 

E  aí  não  precisamos mais repetir o sentido da palavra “parlamentar” que, além de função de  senador, deputado, vereador, pode ser de um grupo que discute, parlamenta, conversa fiado e mostra responsabilidade ou o contrário. Não executa, nem pode. Mas nos botecos, salões de beleza, esquinas e velórios ganha espaço para “viralizar”.

 

Então, neste nosso país complicado, se alguém for a uma das casas legislativas, o que vai encontrar pode ser, talvez, palavras bonitas, algumas proferidas por “ruis barbosas” meias-bocas ou palavras saídas da inteligência de  grandes oradores, ou de línguas que retumbam, gaguejam, enquanto ninguém presta a atenção em ninguém. O assunto mais interessante passa a ser algo preparado por fulanos de tal visto como “Zé Negocinho”, carimbado para a troca de projetos proibidos, tipo chantagens, conluios, trocas-trocas. E pode consistir na oficialização de valores virados de cabeça para baixo.

 

A hora da esperteza chegou: “Macaco velho não enfia a mão em cumbuca”, um dos primeiros sinais de vozes populares que  jorram da chamada  boca pequena.  Se alguém está sabendo que a PF investiga  há uma certa esperança de algo de bom para que o povo se anime, certeza nunca haverá. O Judiciário representa cada um de nós, mas hoje balança  seu prestígio e precisa recuperá-lo para o bem geral da nação, desculpem-me a cacofonia.

Nos parlamentos, hoje em dia, prefiro que a CPI seja mesmo um copo de bebida saborosa com o acompanhamento de salgado fino ou não, pode ser um creme de palmito  ou  empada de  bacalhau ou torresmo frito, engordurado e soltando fumaça. Se for a própria pizza que os parlamentares apreciam, que se entalem e se engasguem caso seja adotada alguma prática criminosa.

 

A mais saborosa — para eles —  das CPIs devorarão  na calada da noite, nos instantes em que o mais humilhado e tapeado ser humano dorme o sono e o sonho dos inocentes.

 

José Sana

25/03/2023

NS
José Sana, jornalista, historiador, graduado em Letras, nasceu em São Sebastião do Rio Preto, reside em Itabira desde 1966.

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