Por que político gosta de defunto?
Não é somente no mundo que as pessoas entram em fila de velórios para ver a cara do ex-vivo pela última vez. Não é somente no Brasil, em Minas Gerais e em Cabritolândia. A peregrinação ocorre, portanto, em todos os cantos. Não sabemos ainda se em outros planetas o costume é adotado.
Em Cabritolândia, no entanto, inventaram a moda. Está registrado no “livro dos recordes” como berço dessa maneira esquisita de pedir votos a terra dos cabritos, nos enterros. Por essas bandas, ocorre o seguinte: o sujeito recebe um aviso, normalmente, do setor de comunicação, dos candogueiros e fofoqueiros, das candinhas de plantão e trata logo de passar à frente:
— Oi fulano de tal, você sabia que sicrano de tal morreu?
— Estou sabendo agora. Onde é o velório, que hora é o velório, como se chama a viúva?
— Vou pegar os dados e passo pra você.
Na área de Bodelândia, o rito é o mesmo: a fofoca é distribuída no boca a boca, perguntam ‘morreu de quê?’ e anotam os mesmos dados. Ou melhor, não anotam, sabem tudo de cor e salteado.
Em Cabritolândia — acredite quem quiser — existia, anexa à funerária, um gancho para a chamada “Equipe de Choro”. Vou explicar isso direitinho:
Os familiares enlutados nem sempre amam o respectivo morto. Então, cuidam de contratar uma empresa especializada em choro, chorinho e chorão. A equipe acerta detalhadamente o horário, a intensidade de tons e sons, incluindo gritos, barulhos desesperados, berros estridentes, baldes de água para substituir lágrimas difíceis e outras especialidades.
É muito comum o cidadão que sai de casa com boas intenções, nem sendo político, quanto menos candidato, ser presenteado com um “santinho”, que considera, às vezes, sagrado. O caridoso está lá dentro, em volta da urna (urna funerária sim, ou seja, não daquela em que costumam fraudar nas eleições), rezando piedosamente uma Ave-Maria e é surpreendido por um cabo eleitoral que lhe entrega um presente, simbolizado em papel bonitinho.
E diz bem no seu ouvido: “É um santinho”. O consciente, que gosta de fazer um discurso fúnebre, nem olha se o defunto é o mesmo do retrato do “santinho”. Dá um intervalo, toma a pose de orador mesmo não tendo um tamborete em que subir, raspa a garganta, cospe imaginariamente, ou seja, engole o catarro e confere a voz e, cumprimentando até mesmo o padre, chamando-o de vossa reverendíssima e entoa um discurso com todas as pompas.
Talvez pensando que o “santo” lhe entregue seja o mesmo que está no caixão sendo velado, florido e chorado, dirige-lhe palavras de afeto e, elogiosamente exageradas. Diz, em sua retumbante oratória, que o fulano de tal, cita o nome que está no “santinho” (aí dana-se tudo) sempre foi “bom pai de família, bom marido, cidadão dedicado à sociedade etc. e tal”.
O mais bizarro dos fatos ocorreu certa vez num velório de Onçalândia, cidade bem distante de Cabritolândia. O orador resolve fazer um discurso na beira do caixão simplesmente porque é o prefeito da cidade.
Entoa um pedido de forças ao morto no meio de seu pronunciamento:
— Meu amigo, você partiu muito cedo, com certeza levou os nossos sentimentos a Deus. Você tem pleno direito de pedir a Ele que me dê forças para resolver esses problemas nossos que nos afligem, os quais são muitos — uma dúzia de estradas para patrolar, construções paralisadas para serem agilizadas, dezenas de mata-burros para instalar, torneiras sem água, sem esgoto e parte dela sem luz. E eu nem sei a quem recorrer…
Depois desse apelo dramático, um cidadão da roça sai lá de trás e resolve bradar:
— Oi, Izé! E lembra de nóis que tá passano fome, viu?
Para encerrar, tenho que dar resposta à pergunta colocada em epígrafe, como subtítulo —Por que político gosta de defunto? — a figura, geralmente, adora quem está no outro mundo, porque o voto dele continua perdido, mas da família enlutada não, pensa na multidão desse agrupamento e em amigos. Apesar de o tiro sair quase sempre pela culatra, mesmo assim arrisca uma possibilidade: “Eu já nem tinha voto algum naquele velório. Quem sabe virei uma polêmica? Polêmica dá voto. E como tem muita gente besta neste mundo, sabe lá se dá voto?
CABRITO
Mais vale a oportunidade do que um voto voando!🤩