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“Um dia de junho, na hora do almoço, a cidade foi invadida por uma fila de muitos caminhões… Era a CVRD… era o progresso que chegava. Eu me lembro como se fosse hoje.” (Chiquinho Alfaiate ao jornalista Marcos Caldeira, frase publicada no jornal O Trem Itabirano, originalmente). Para o povo, aí tudo começou de verdade. Mas teve o que vimos se sucedendo desde o ciclo do ouro.

Vista parcial de Itabira nos anos 1960

Vista parcial de Itabira nos anos 1960

TUTU CARAMUJO

A síndrome Tutu Caramujo estava funcionando já? Parece que sim. Vamos repetir alguns tópicos para reafirmar por que queriam ou querem sugar mais do que Itabira poderia dar. Já vimos os antecedentes da Companhia Vale do Rio Doce desde quando o governo federal encampou a Itabira Iron Ore Company, em 1939.

A ideia era nacionalizar não só a extração e exportação de minério de ferro como também implantar uma indústria siderúrgica no país. A certeza do que ocorreria no Brasil era clara, lutava-se para que fosse implantado esse empreendimento em Minas Gerais, mas a realidade beneficiou o Estado do Rio de Janeiro com a criação da Companhia Siderúrgica Nacional (CSN), precisamente em Volta Redonda.

Carregamento de minério de ferro no Alto Pereira

Carregamento de minério de ferro no Alto Pereira

Nesta primeira mexida com os nervos itabiranos fez muita gente lembrar-se do poema de Drummond, Itabira:

“Cada um de nós tem seu pedaço no pico do Cauê

Na cidade toda de ferro

as ferraduras batem como sinos.

Os meninos seguem para a escola.

Os homens olham para o chão.

Os ingleses compram a mina.

Só, na porta da venda, Tutu caramujo cisma na

derrota incomparável”.

PERDAS IRREPARÁVEIS

Antigo Túnel da Estação para pedestres, destruído

Antigo Túnel da Estação para pedestres, destruído

Israel Pinheiro, político mineiro, de Caeté, que seria mais tarde presidente da CVRD, era quem lutava pela siderúrgica mineira, mas… “Na verdade, o estratagema de Israel só não deu certo, trazendo para Minas a Siderúrgica Nacional, pelos laços que unia Vargas a Alvarenga Peixoto, seu genro, que fez pressão para que a siderúrgica fosse instalada no Estado do Rio, do qual era interventor” (VAZ, 1996, p.168).

Vale acrescentar que o ditador Getúlio Vargas fez muito pelo Brasil ao retirar a CVRD das mãos dos estrangeiros, mas não poderia, definitivamente, fazer o que fez:  aceitou que o “puxassaquismo” do então governador Benedito Valadares denominasse Presidente Vargas a cidade pelo Decreto-lei estadual nº 1058, de 31-12-1943.

Só algum tempo depois ocorreu a volta ao nome Presidente Vargas para Itabira, alteração feita pelo Decreto nº 2430, de 05-03-1947. O pior foi não instalar a CSN em Itabira, sequer em Governador Valadares, como queria, de verdade, Israel Pinheiro.

O famoso processo, subscritado pelo ex-prefeito e ex-deputado Olímpio Pires Guerra, em 1996, requerendo indenização à Vale pelo passivo ambiental — e que se encontra na Bolsa de Valores de Nova York — está lá mencionado como fator de prejuízos que Itabira sofreu e faz somar a dívida da ex-estatal Companhia Vale do Rio Doce a Itabira.

Por falar em dívida da Vale com Itabira, é oportuno dar resposta segura a vários historiadores que tiveram informações erradas: a empresa nada pagou a Itabira de 1942 a 1967, ou seja, durante 25 anos um níquel sequer da Vale pingou nos cofres de Itabira. Pelo contrário, a empresa foi ajudada por itabiranos, este tema vamos focalizar com as provas devidas. Somente a partir de 1967, quando foi criado o Imposto Único sobre Minerais (IUM), a CVRD passou a pagar tributos, mesmo assim injustos.

ITABIRA DE ONTEM

“Corrida do oro”: Vale anunciou o metal e atraiu gente de todos os cantos do país a Itabira

“Corrida do oro”: Vale anunciou o metal e atraiu gente de todos os cantos do país a Itabira

Itabira era composta por uma vasta e progressista zona rural, como se vê por dados populacionais: em 1950, a região urbana tinha apenas 8.187 habitantes e 17.087 residiam no campo; 20 anos depois, a zona urbana somava 41.231, enquanto o êxodo rural era estabelecido em 15.163 pelo IBGE. Tal êxodo continuou no mesmo rumo e continua até os dias atuais, causado exatamente pela mineradora Vale. E não somente em Itabira, mas em toda a sua região de influência.

A afirmativa a seguir serve para corroborar a anterior, sobre a destruição da agricultura, que sustentava o município: “Com a implantação da CVRD, a agricultura da região perdeu importância e entrou em declínio. A intensificação da atividade mineradora no município ocasionou acentuada redução da área agrícola com a aquisição de grandes extensões de terras pela ‘Companhia’” (OLIVEIRA, 1992, p.22).

“Para os trabalhadores, a chegada da CVRD significou o ‘emprego fixo, direitos sociais, vida melhor’, tudo sintetizado na frase ‘foi o progresso que chegou’. E entrelaçando o destino da cidade, numa compreensão vivida das novas relações que se instauraram em junho de 1942, um dos trabalhadores pontifica: ‘ai de Itabira se não fosse a Vale, ai da Vale se não fosse Itabira (…).

Embora as duas visões aqui identificadas não sejam estanques e comportem ampla gama de nuances e distinções, de acordo com as posições das pessoas na sociedade local e de acordo com as suas histórias de vida, elas são bem significativas das que ainda hoje estão presentes nos moradores de Itabira e se manifestam em duas distintas reações frente à CVRD” (MINAYO, 1986:48 apud LIMA, 2002:15).

Em entrevista a esta reportagem, em 2007, o advogado Sérgio Augusto Gonçalves Rosa, falecido em 2015, pronunciou a seguinte frase, que está documentada: “Meus antepassados contavam que, enquanto alguns itabiranos temiam pelas consequências de exaustão e criação de bolsões de pobreza como consequência da mineração, uma parte significativa da sociedade rezava pela instalação de uma empresa, que seria a Vale do Rio Doce, para que seus filhos pudessem trabalhar; as mulheres  faziam novenas nas casas, pedindo forças superiores para  resolver o intrincado caso que, finalmente, terminou  no famoso Acordo de Washington, que resultaria na criação da CVRD”.

MAIS PREJUÍZOS

Vista parcial da cidade, incluindo a Estação Rodoviária

Vista parcial da cidade, incluindo a Estação Rodoviária

“ Em 1943, o presidente da CVRD, Israel Pinheiro, permutou com o prefeito todos os lotes do Pará em troca do abastecimento de água da cidade… Até hoje, a Companhia não pagou esta dívida à Prefeitura. Ficou com os lotes, construiu as casas e não cuidou do abastecimento de água em Itabira…” (OLIVEIRA, 1992:44).

De acordo com ex-secretários de Meio Ambiente da Prefeitura de Itabira,  a  Condicionante número 12, da Licença Operacional Corretiva (LOC) da Vale em Itabira, acordada em 18/05/2000, não foi cumprida, mesmo sendo a mais importante. Quer dizer, não há como se empreender qualquer tipo de entendimentos com a empresa sem que o principal item não esteja atendido.

De acordo com informações obtidas no Serviço Autônomo de Água e Esgoto (Saae), centenas de pedidos de ligações para pequenas indústrias não são atendidas de há muitos anos, ou seja, resta a pergunta inquietante:  como industrializar uma cidade sem água suficiente sequer para seus habitantes? Em outras palavras, foi a própria Vale a responsável pelo rebaixamento do lençol freático de imensas áreas itabiranas.

ENTREVISTAS PARA PESQUISAS

Assoreamento de córregos provocados pela mineração

Assoreamento de córregos provocados pela mineração

Autores diversos constataram as seguintes informações em entrevistas para pesquisas:

— “Itabira era colônia da Vale” (representante da Acita).

— “A Vale cooptou as lideranças itabiranas. A Vale quis deixar Itabira afastada do mundo” (jornalista).

— “A pior coisa que a Vale fez por Itabira foi calar suas lideranças.¨(deputado)  — (SILVA, 2004, p.120).

— A Vale moldou Itabira como quis. Primeiro o seu minério era o melhor do mundo, que ela salvava a economia do país e outras ideologias (…)slogans. O povo ficou chupando dedo, esqueceu o que estava se passando em sua própria casa, a cidade.”    (SILVA, 2004, p.120).

— “A interferência da ‘Companhia’ — que começou na década de 40 e se acentuou na década de 50, com a mecanização — consolidou definitivamente a simbiose entre a cidade e a mina, de tal forma que os destinos de ambas se entrelaçam e se cruzam, não em termos de reciprocidade, mas de domínio quase absoluto da segunda sobre a primeira.” (LIMA, 2002, p.17).

— “Um grande prejuízo para Itabira constituiu-se a denominada ‘corrida do ouro’ anunciada pela Vale, que atraiu milhares de famílias do Brasil inteiro para a cidade. A criminalidade aumentou, a cidade ficou desestruturada em tudo” (jornal O Passarela).

— “Ruas e avenidas de Itabira, quando do início da expansão dos projetos Cauê e Conceição viraram um caos, para completar a falta de moradias” (Vereador).

— “finos e ‘grossos’ de minério de ferro assorearam córregos, destruíram quintais, acabaram com plantações e pomares até que a empresa começou a construir barragens” (Presidente da Associação de Amigos de Bairros).

— “O Túnel da Estação, que merecia ser tombado pelo patrimônio histórico, foi simplesmente destruído, nem era preciso que isso ocorresse” (Engenheiro civil). Ver a foto acima.

Notícia Seca

OBS. A bibliografia desta história não está sendo publicada, mas quem assim desejar, pode entrar em contato com Notícia Seca e receberá todas as informações.

AFINAL, O QUE REALMENTE SIGNIFICA SAÚDE PARA VOCÊ?

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