Em primeiro e último lugar, só tenho, além destas letras, mais algumas palavras ou frases para falar de meu primo-irmão Marcos Humberto Sana.
Então, vou dizer exatamente isto:
— Conheci-o exatamente no dia 21 de março de 1950, quando ele nasceu, no sobrado de nosso avô, Seraphim Sanna. Eu somava cinco anos, 2 meses e 16 dias e algumas horas mais velho que ele.
— Meu tio, padrinho, compadre e amigo Líbio, seu pai, me conferiu a incumbência de ajudá-lo nas tarefas escolares. Foi difícil porque ele sempre ria dele mesmo, de estar com sono.
— Tio Líbio lhe comprou bola, chuteiras, meias e camisas e me incumbiu a tarefa de ensinar-lhe futebol. Imaginem: nem eu sabia jogar, como ia ensiná-lo? Nos treinos, mandei-o marcar exatamente o outro primo-irmão, Godofredo, um dos maiores craques de bola que passaram pelo São Sebastião Futebol Clube. Covardia?
-— Íamos, de vez em quando, a Passabém comer pastel de angu. Certa vez, fomos de bicicleta: ele na garupa do pai e eu com tio Alfeu (com a cabeça mais branca de todos que aí está). Embarcamos no caminhão do Noé do Duca, bicicletas e nós na carroceria, Jovino no volante. Paramos na Vila Bom Jesus, num boteco do Roque Açougueiro. Noé, pequeno e cheio de alegrias incríveis, bebeu umas cachaças, pegou o volante (e nem sabia dirigir) e fomos para a vila vizinha. Não rodamos 50 metros. O caminhão ficou desgovernado e balançando numa pirambeira. Tomba, não tomba, Marcos e eu fomos atirados aos ares, para o lado contrário pelos tios e bicicletas em cima de nós. Sobrevivemos, mas pastel de angu naquele dia, neca! Voltamos pra casa.
— Estou prolongando muito, tenho muitas histórias para contar. Vou resumir para ninguém se enfarar de ler. Só vou me citar que trabalhamos, puxamos areia no rio, ajudamos a construir cozinha e dispensa (ajudante, o tio, pedreiro, Alexandre.
A mãe dele, inesquecível e santa Didi, me deu e à tia-irmã Mercês, uma filha para batizar, Maria Inês. Crianças batizando uma criança. Fiquei honradíssimo.
— Como me lembrei de cansaço, quando eu carregava 16 anos nas costas, fundei um jornalzinho chamado “Folha Sebastianense”, impresso na Gráfica São Vicente, em Belo Horizonte. Resolvi entrevistar o Marcos, com 11 anos, mas ele pronunciou apenas uma frase, que registrei em um dos números do jornaleco: “Eu quero comprar um jornal sem letras para não cansar a vista”. Chamei-o de filósofo. Ele riu mansamente como todos conheceram seu gênio aquiescente.
— Pronto. Agora termino. Ou vou ser condenado. Nunca perdi de vista, nesta curta e às vezes comprida vida esse primo-irmão, filho do irmão de minha mãe. Passo a passo estivemos falando pelos recursos da internet. Falávamos de tudo.
Em saúde, ele tinha certas comorbidades, falava-me abertamente. Foi visitado pela Covid-19 e se internou em Belo Horizonte. Venceu essa terrível doença que assolou o mundo, mas, infelizmente, teve de carregar algumas sequelas que o vitimaram por longo tempo em casa.
— Mas ele venceu, embora Deus o tenha chamado depressa. Mas venceu. Sempre em dia seu bom humor, sintetizava sempre sua situação de saúde e esperança otimista. Sem queixar-se, sem choramingar, sem arrancar a piedade de quem quer que fosse, ele levava os dias.
Repito que ele venceu. Decepcionou-se quando não pôde submeter-se a um implante de pulmão. Retornou para o seu exílio, sua casa em Belo Horizonte, sempre olhado pela dedicada Ivonete. Imaginava e queria estar em São Sebastião ou na Jaguara. Manteve-se sob a vigilância de companheira, filhos, irmãos, primos, amigos, milhões desses, não deixa aqui no mundo um só inimigo para chorar pela sua ausência.
Ah, estava me esquecendo: chamei-o a vida quase toda de Marcolino. Como sempre, recebia de volta sua mansa risada. Agora, então, não tenho mesmo mais uma palavra para registar: o nosso herói venceu. Orgulhemo-nos dele. Eternamente.
José Sana
08/06/2024
Lindo texto, padrinho! Saudades eternas!
Lindo texto! Ele venceu! 👏🏼❤️