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Itabira, quinta-feira, 17 de junho de 2021. Do alto do alpendre de uma casa simples, na Rua Trajano Procópio, Bairro Pará, um grupo de pessoas interrompe a via para saudar o médico ali morador, nascido na Fazenda Morro Escuro, município de Santa Maria de Itabira, fazia 100 anos. Em seu discurso de agradecimento, ele, o homenageado, simples como quem o saudava, soltou a bomba: “Confesso, sinceramente, que estou gostando desta homenagem e por isso penso com ânimo e esperança chegar o dia de outra comemoração, quando completar 200 anos de vida” (risos de todos, inclusive dele).

O casal, de 75 anos de união, é um patrimônio humano de Itabira. Somam as idades exatamente 200 anos neste 17 de junho de 2023

Nesta mesma data, quarta-feira, faz dois anos o acontecimento se transcorreu. Os personagens são agora os mesmos, somados a uma, oficialmente, Eny Figueiredo de Alvarenga. Ela e o marido entram  para a história itabirana, definitivamente, como patrimônio humano.

Hoje não é aniversário de Dona Eny, mas dia de colocarmos em ordem os números (98 + 102 = 200)  para fechar a importância da data e lembrar o valor de quem dá tanto sentido à vida e à comunidade.  Colombo, nascido numa fazenda, Eny na zona rural de Ipoema; ele, médico, mais de 75 anos de profissão, ela enfermeira aposentada, 18 anos de Raios X; ele, filho de Álvaro Alvarenga e Haydée Alvarenga, ela, descendente imediata de Nélson Figueiredo e Bilinha (desculpem-me faltar o nome próprio).

CUIDAM-SE E CUIDAM

As notícias deles são as melhores possíveis: estão como há dois anos, quando receberam, na porta, parentes e amigos, formando uma pequena multidão àquela hora do dia (quatro da tarde), felizes e animados. Incrível: clientes vindos de todos os quadrantes dos municípios e das regiões vizinhas são ainda atendidos pelo grande profissional da medicina, um exemplo.

Brander (com Dona Eny e Dr. Colombo) exibe o e-book que NS fez para o médico centenário em 17 de junho de 2023)

Lembrando dois anos vividos depois do centenário, destaca-se terem enfrentado, nossos personagens, o período preocupante da pandemia da Covid-19. O mundo todo tremia de horror de um verdadeiro terror. Enquanto as pessoas na cidade se apavoravam com a doença  e mortes (até 12 por dia em dois hospitais de Itabira num dia só), Dr. Colombo e Dona Eny tiveram o ritmo de vida como sempre, já que o cuidado nunca tirou a força de cada um. Será mais um fator de longevidade?

TUDO É COMO ANTES

Dr. Colombo não tem segredo porque revela a amigos que desejam ouvi-lo. Não é religioso, mas pode ser chamado de “rei da caridade”. Ao lado, Dona Eny, espírita kardecista, portanto, cristã. Índoles iguais (ou seriam diferentes?), 75 anos de casamento. Como um exemplo de seu intenso trabalho comunitário, o médico atendeu, durante 20 anos, dezenas crianças da Associação  “Nosso Lar”.

Dr. Colombo e Dona Eny: casal cheio de alegria, que adora apreciar e vestir fantasias em várias oportunidades

Eu, que era, modestamente, um dos diretores da entidade, fazia o meu papel: colocava 30 meninos e meninas numa Kombi e os levava ao seu consultório particular. Ou ele pegava a sua condução para estar, primeiramente no Bairro Eldorado, depois no Amazonas, onde se situava e se situa a sede do grupo, então dirigido por Delcídio Comunian e Marília Comunian (ambos in memoriam).

POLÍTICA, SEMPRE PAIXÃO

Dr. Colombo tem radical antipatia por partidos políticos, assim como odeia todo tipo de ditadura, seja de direita, seja de esquerda. Para se ter uma ideia, em 10 de novembro de 1937, quando Getúlio Vargas deu o golpe de estado e  lançava um manifesto em que tentava justificar a ação, ele ouvia atentamente pelo rádio as seguintes palavras, as quais memoriza pelos anos afora:

“Vamos reajustar o organismo político às necessidades econômicas do país”. Colombo, um jovem de 16 anos, não pensou duas vezes e tomou suas providências assim explicadas por ele próprio: “Getúlio deu o golpe, implantou a ditadura. Nós, da oposição, nada tínhamos a fazer; então, fizemos um baile de despedida da liberdade”.

Na política ele foi, também, vereador em Itabira, na década de 1950. Estava ao lado de Daniel Jardim de Grisolia, mas se desiludiu quando o prefeito se aliou à Companhia Vale do Rio Doce. Abandonou a política como protagonista, mas continuou sendo, em seus contatos ao pé do ouvido, uma força viva dos bastidores. Devido ao prestígio, foi convidado a ser candidato a vice-prefeito com Virgílio Gazire, seu então amigo e vizinho. Relutou-se, não aceitou. Virgílio faleceu no exercício do mandato.

ESPORTE E LAZER, CONSTANTES NA VIDA

Dr. Colombo e Eny eram praticantes de esporte. Ela jogou voleibol com ele no famoso “Time das Coroas”. E fizeram história. Durante mais de 50 anos o grupo foi se formando e se fortalecendo. Com muita certeza, era a turma da paz em que “bendito fruto” tinha a presença dele e, depois de Joel Grisolia (in memoriam).

O Time de Vôlei das Coroas: mais de 50 anos de atividades, com apenas dois “bendito fruto” (Joel Grisolia/in memoriam) e Dr. Colombo

A união fez, realmente, a força. O grupo não se desmanchou por causa de algum casamento. “Pelo contrário — diz o médico — fortaleceu-se porque era composto somente de mulheres casadas, até porque era uma exigência o casamento”.

A história do esporte dentro da equipe inseparável foi retratada em verso e prosa por Dr. Colombo, autêntico homem das letras. Formava ele uma dupla musical incrível com Maria Helena Gomes Nascimento. “Ela fazia a música e eu a letra; os temas eram diversos e, principalmente sobre a convivência entre famílias e a sociedade itabirana em geral”, afirma o médico centenário, corroborado pela parceira musical e amiga, até hoje frequentadora de sua casa, uma quase vizinha.

LADO A LADO O CASAL BICENTENÁRIO

 “Casamo-nos em 1948, mas antes do casamento fomos companheiros no trabalho. Conversávamos o dia todo”, informações em conjunto.

“Tivemos muito tempo para depois do casamento conversarmos mais sobre as coroas do vôlei. Para começar,  acho que já falei isto, exigimos, nas normas, que toda atleta fosse casada. Surgiram alguns problemas, mas o que fazer, era um jeito de formamos uma equipe mais responsável. Houve casos em que casamos uma das participantes para que ela entrasse no time” (risos, risos, risos).

DONA ENY, RAINHA DO RAIOS X

Comemoração muito familiar: Dr. Colombo e Dona Eny depois de momentos felizes ao lado de gente de casa (foto da família)

 Eny Figueiredo era funcionária do Hospital Nossa Senhora das Dores antes de casar-se e depois (o matrimônio segue à frente).  Ela conta que trabalhou durante anos a fio nos aparelhos de Raios X. Com a ex-enfermeira desenvolvemos este diálogo:

— Dona Eny, em quanto tempo a senhora trabalhou fazendo radiografia de pacientes?

— Trabalhei exatamente 18 anos ininterruptos.

— A senhora usava equipamentos de proteção para exames, os chamados EPIs?

— Não, nunca usei, não havia proteção, mas, graças a Deus, nada tive de problema de saúde.

Dr. Colombo declara que talvez ela tenha ficado estéril devido ao longo trabalho com Raios X. O casal não teve filhos.

O casal do século itabirano com a parceira compositora Maria Helena Gomes Nascimento: “Eu fazia (faz ainda) a letra e ela compõe a música

COLOMBO E FAMÍLIA

Fala, Dr. Colombo:

“Meu irmão Osvaldo (o mais velho dos 12, família em que Colombo é caçula) tornou-se funcionário público  e nos levou para Peçanha, onde exercia a função de coletor estadual. Mas perdeu o emprego logo nos primeiros atos da ditadura Vargas. O grande responsável pela família, que a sustentou durante muito tempo foi o Mauro (Dr. Mauro de Alvarenga). Itabira reconheceu grande parte de seu trabalho, ele recebeu muitas homenagens. E nós, da família, reconhecemos o seu empenho por todos os irmãos, pais e clientes”.

Entre as homenagens prestadas destaca-se, também, a denominação oficial, pelo prefeito Marco Antônio Lage, de “2021, Ano do Centenário de Dom Mário Teixeira Gurgel e de Dr. Colombo Portocarrero de Alvarenga”.

Tivemos acesso a  um caderno que ele guarda numa gaveta, “a sete chaves”. Nele está registrada uma antologia completa : “Pepê, o fazendeiro”, “80 anos de Mauro”, “Tempo de Coroas”, “Pagodes das Coroas”, “Hino da Bandeira”, “Lambada das Coroas”, “Tempos”, “Rainha do Mar”, “Morro Escuro, a volta”, “Bem-te-vi”, “Sol”, “Vida”, “Cruzeiro-Cruzado”, “Renata, 15 anos”, “Mauro e Biela, bodas de ouro”, “Coroas, bodas de prata”, “Festas das Coroas”, “Os fazendeiros Bernardo e Jairon”, “Peçanha, noite de São João” e vários sambas-enredo da Escola de Samba Nove de Outubro, além de pequenos versos, lembrando o humor de um “casamento na roça”, de quadrilha de junho:

“É hora do casamento, a noiva tá lá na frente

barriguda e saliente.

O noivo arrastado

entre o padre e o delegado”.

 E, para encerrar, a definição que Dr. Mauro Alvarenga, seu irmão mais velho, transmitiu a Rose Penido de Alvarenga (sua nora e Ghost Writer) no  livro “Morro Escuro” sobre o querido membro da família:

“Colombo é o mais novo (dos irmãos), o caçula. Ainda novo, conservado, traz o corpo esbelto, como os têm os outros irmãos. Também médico, como eu, aposentou-se, sem largar a medicina. Não raro, atende um cliente amigo e, se chamado pelos colegas, ajuda nas operações. Então, vai a pé para o hospital. É seu “cooper”. Joga vôlei no Time das Coroas sem o menor acanhamento por ser bendito fruto. E faz poesias para elas, brincando com a braveza de uma, gozando o ciúme da outra, fazendo a maior farra com os incidentes dos jogos.

Quando fiz 80 anos, bem cedinho, ele jogou sobre  a porta uma longa poesia, contando toda a minha vida e sumiu. Meus filhos leram alto o poema e ninguém ficou indiferente. Alguns até choraram, inclusive Biella e eu, claro.

Faz letras para escolas de samba, deixando para outra (Maria Helena Nascimento) a parceria musical. Não teve filhos. Poderia, por isso, fazer  os  mais belos passeios, pois, dinheiro não lhe falta. Mas Eny e ele são acomodados, não se veem atraídos por viagens.

Divertido, está sempre pronto para uma expressão jocosa ou irônica, também para uma brincadeira de muito bom humor. Como naquele dia em que sua mulher, sentindo-se prejudicada  no jogo, provocada por ele, rasgou o tabuleiro de papelão, em protesto. Colombo comprou outro, de madeira. Deixou passar uns dias para o pleno esquecimento do episódio e convidou-a para jogar. Ela se sentou, inocente, começou a dispor as peças quando o marido se levantou, em silêncio, foi lá dentro buscar o serrote e ainda  sem palavras o colocou ao lado para uma eventual necessidade.

É assim o Colombo. Ninguém fica com raiva dele, acham-no um companheiro e tanto. Vem me visitar, chega bem cedo e fica pouco. Porém, se não aparece, quero logo saber o que houve, o que foi mesmo que aconteceu com ele”.

José Sana

Em 17/06/2023

Fotos: Brander Gomes/Regional Digital

Agradecimentos a Rosemary Penido de Alvarenga por sempre ajudar nas informações

NS
José Sana, jornalista, historiador, graduado em Letras, nasceu em São Sebastião do Rio Preto, reside em Itabira desde 1966.

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