Todos os dias, à noite, após o cansaço do trabalho, penso duas, três vezes antes de ligar a televisão e assistir ao jornal. Mesmo assim, insisto – quero ficar “ligada” e tomar ciência dos acontecimentos do Brasil e do mundo.
Uma notícia é o centro das atenções: a situação do mercado. Esse se corporifica, humaniza-se e tem alma. Como tal, tem mau humor, está sempre inquieto, desconfiado, nervoso, estressado, doente, não reage… Com tantos problemas pensa-se: a morte do mercado é iminente.
Todas essas afirmações são ditas com ênfase e tom de preocupação pelos apresentadores dos noticiários. O tempo dedicado ao mercado é desproporcional ao das demais notícias, dando a impressão que se assiste a um programa especial – um documentário – por exemplo. Esse “sujeito”, todo poderoso, é quem manda, impõe comportamentos e valores e direciona o ritmo da economia dos países em todo o mundo.
Para os telespectadores mais sensíveis, esse pode ser um momento de tristeza, nervosismo e melancolia…. Para quem pensa em dormir rápido, o sono se vai ao pensar nos problemas do mercado – personagem tão importante nesta época de relações financeiras globalizadas.
A situação é tão séria que, segundo os noticiários, “o mundo está boquiaberto e o mercado está de joelhos”. Cada vez mais, é preciso estar o tempo todo de prontidão e preparado para acompanhar o ritmo frenético do mercado que se conecta por meio de redes virtuais e sofisticadas de informação. A velocidade com que as informações financeiras atravessam os espaços é assustadora. Elas são veiculadas quase no mesmo momento em que são geradas, em pontos extremos do planeta, tornando-se capazes de provocar mudanças bruscas na vida cotidiana de pessoas, distantes umas das outras, mesmo que não as tenham produzido.
Presenciam-se, nos dias atuais, a naturalização do homem e a humanização da natureza dos objetos e das instituições econômicas e financeiras. Inverte-se, portanto, a ordem de valores entre o homem e as coisas materiais. O homem, diante de tudo isso, embrutece e passa a não valorizar os preceitos morais e éticos. Diminui-se a solidariedade entre os povos e impera a ditadura do mercado.
Diante desses fatos, o ser humano toma contornos menos expressivos do que a máquina mortífera e produtora de perplexidade que é esse mercado do qual todos falam e sobre o qual todos comentam. A miséria, a fome, a subnutrição, os problemas de saúde, a falta de saneamento básico, a violência, o caos urbano, a deterioração do meio ambiente – essas mazelas que atormentam uma parcela imensa da população mundial e nacional tornam-se banais diante da personificação e da humanização do mercado.
* Maria do Rosário Guimarães de Souza – Zara possui graduação em Ciências Exatas/Matemática; especialização em Ciência do Ambiente e Biologia Geral e mestrado em Geografia e Organização Humana do Espaço Tem experiência na área de Biologia Geral; na área ambiental. Autora dos livros – Da Paciência à Resistência: Conflitos entre Atores sociais, Espaço Urbano e Espaço de Mineração; FACHI 40 anos, FUNCESI 15 anos: o ensino superior de Itabira tem história.
Esta é a dura realidade de nossos dias retratada de uma maneira marcante e diferente.