Cada batida era acompanhada pelos passos fúnebres e uniformes do cortejo que seguia lentamente pelas ruelas do povoado no ritmo da cantiga de adeus ao pai, ao marido, ao irmão, ao amigo que agora era levado à morada eterna.
A lágrima que teimava em rolar pela minha face, vertia de dentro do meu ser, lavando-me a alma, conduzindo-me a um momento de êxtase em que a realidade se misturava às sombras do passado.
Pude ver então, o quanto era querido o falecido. Sim, todos que ali seguiam a marujada levavam o adeus àquele que um dia também tocou aquela caixa e cantou as cantigas dos marujeiros não em momento de dor, mas nos momentos festivos.
Os pensamentos de cada filho, de cada neto, o pensamento de sua amada, eterna namorada, companheira e amiga, estavam estampados em seus olhares que acompanhavam os marujeiros, Os companheiros dos “Alcoólicos Anônimos” que ali prestavam suas homenagens de despedida pensavam o quão querido, o quão amado era aquele homem e sabiam desde já o tamanho da saudade que ele deixaria.
Alguns meses antes de sua partida ao encontro do Pai, recebi como presente dele uma fita gravada com músicas da marujada e o poema que sempre ele recitava nas apresentações. Percebi então, o quanto significava para ele aquele poema. E, naquele momento de despedida, naquela hora derradeira, seu filho a declamou e sua neta depositou no seu caixão a flor do poema.
A Flor do Maracujá
Autor: “Catulo da Paixão Cearense”
Encontrando-me com um sertanejo,
Perto de um pé de maracujá,
Eu lhe perguntei:
Diga-me caro sertanejo,
Por que razão nasce branca e roxa,
A flor do maracujá?
Ah, pois então eu lhi conto,
A estória que ouvi contá,
A razão pro que nasci branca i roxa,
A frô do maracujá.
Maracujá já foi branca,
Eu posso inté lhe ajurá,
Mais branco qui caridadi,
Mais branco do que o luá.
Quando a frô brotava nele,
Lá pros cunfim do sertão,
Maracujá parecia,
Um ninho de argodão.
Mais um dia, há muito tempo,
Num meis que inté num mi alembro,
Si foi maio, si foi junho,
Si foi janeiro ou dezembro.
Nosso sinhô Jesus Cristo,
Foi condenado a morrê,
Numa cruis crucificado,
Longe daqui como o quê,
Pregaro cristo a martelo,
E ao vê tamanha crueza,
A natureza inteirinha,
Pois-se a chorá di tristeza.
Chorava us campu,
As foia, as ribeira,
Sabiá tamém chorava,
Nos gaio a laranjera,
E havia junto da cruis,
Um pé de maracujá,
Carregadinho de frô,
Aos pé de nosso sinhô.
I o sangue de Jesus Cristo,
Sangui pisado de dô,
Nus pé du maracujá,
Tingia todas as frô,
Eis aqui seu moço,
A estória que eu vi contá,
A razão proque nasce branca i roxa,
A frô do maracujá
(Transcrito por Maria Flor de Maio)