Salvador Parra, gerente do Rancho Burford, no Vale Central da Califórnia, um polo agrícola, está preocupado com a falta de água. A pior seca do Estado norte-americano desde 1977 obriga Parra a deixar 809 de seus 2.428 hectares sem cultivo e a escavar fundo em busca de água para salvar as lavouras já plantadas.
ANO BOM, ANO RUIM
“Não há muita coisa sendo cultivada aqui, simplesmente porque não tem água. Literalmente, não tem água”, contou Parra.
Em um ano bom, o rancho produz de tudo, de alho, cebolas e tomates a alfafa e algodão. Neste ano, Parra precisa de fontes de água emergenciais só para fazer uma lavoura reduzida render uma colheita.
Um dos poços do qual ele depende tem 244 metros de profundidade, “e estamos tendo que bombear até a superfície para podermos irrigar as lavouras; o sistema de irrigação está custando ao rancho milhares de dólares, mas outras opções estão fora de cogitação, disse Parra.
Ele explicou que a água disponível, que é chamada de água suplementar, é muito cara: 2 mil dólares por 0,4 hectare. O preço normal é de 200-250 dólares por 0,4 hectare. “Então, dez vezes mais. Não podemos bancar isso.” A mão de obra do Rancho Burford foi reduzida de 140 para 110, contou ele. “Se não tem água, não tem trabalho, não tem dinheiro.”
O custo da seca acabará recaindo no consumidor, disse ele. “Os consumidores deveriam estar preocupados com alho, cebolas e outras lavouras, porque nesta época do ano que vem eles estarão muito escassos e o custo será mais alto”, acrescentou.
A agricultura é uma parte importante da economia da Califórnia, e o Estado é um grande produtor de vegetais, frutos pequenos, castanhas e laticínios. Alejandro Pena, que tem 54 anos e 35 de trabalho em fazenda, diz que dói ver campos sem cultivo.
Nos anos em que choveu muito, houve muita beterraba, açafrão, tudo isso. Não havia terra sem plantação, era muito bonito, e agora, onde quer que você olhe, vê toda esta terra arrasada”, disse Pena.
Reuters
ONU FAZ ALERTA
A Organização das Nações Unidas (ONU) diz que a seca pode ser “a próxima pandemia” e 23 países sofrerão escassez de água com o crescimento populacional
A escassez de água e a seca devem causar estragos em uma escala que rivalizará com a pandemia de Covid-19, e os riscos aumentam rapidamente à medida que as temperaturas globais se elevam, de acordo com a ONU.
“A seca está prestes a se tornar a próxima pandemia, e não existe vacina para curá-la”, disse Mami Mizutori, representante especial da ONU para redução de risco de desastres, em uma entrevista coletiva virtual nesta semana.
As secas já desencadearam perdas econômicas de pelo menos 124 bilhões de dólares e atingiram mais de 1,5 bilhão de pessoas entre 1998 e 2017, segundo um relatório da ONU divulgado nesta quinta-feira (24).
Mas até estas cifras, alertou, são “muito provavelmente subavaliações grosseiras”.
O aquecimento global intensifica secas no sul da Europa e no oeste da África, disse o relatório da ONU com “alguma confiança”, e o número de vítimas deve “crescer dramaticamente”, a menos que o mundo aja, disse Mizutori.
Cerca de 130 países podem enfrentar um risco maior de seca neste século, segundo a projeção de emissões altas citada pela ONU.
Outros 23 países sofrerão escassez de água por causa do crescimento populacional, e 38 nações serão afetadas por ambos, disse.
A seca, assim como um vírus, tende a durar muito tempo, ter um alcance geográfico amplo e causar danos em cadeia, disse Mizutori.
“Ela pode afetar indiretamente países que não estão passando por uma seca através da insegurança alimentar e do aumento dos preços de alimentos”, explicou.
A ONU antevê secas mais frequentes e severas na maior parte da África, nas Américas Central e do Sul, no centro da Ásia, no sul da Austrália, no sul da Europa, no México e nos Estados Unidos.
Ibrahim Thiaw, secretário-executivo da Convenção das Nações Unidas para o Combate à Desertificação, disse à Thomson Reuters Foundation que a deterioração do solo, causada em parte pela má administração de terras, deixou o mundo perto de um “ponto sem retorno”.
A ONU não tem pesquisado o efeito que a desertificação pode ter na migração interna dentro dos continentes, mas Thiaw disse que ela não é mais impensável, nem mesmo na Europa.
Por Arthur Neslen – Repórter da Reuters – Bruxelas (Bélgica)