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Estávamos nos idos finais do século passado. Olímpio Pires Guerra, Li, era prefeito de Itabira;  Márcio Antônio Labruna, presidente da Associação Comercial, Industrial, de Serviços e Agropecuária de Itabira (Acita); Francisco José Schettino, presidente da antiga Companhia Vale do Rio Doce. Há uma reunião na sede da Acita, na Rua Água Santa, de portas fechadas. Falta muito tempo para ocorrer a dolorosa e cruel exaustão das minas, mas pelo calor das paredes já transbordam fumaças. E, de acordo com o adágio popular, “onde há fumaça, há fogo”.

 

BURBURINHOS

Dezenas de repórteres na rua exibem seus gravadores daqueles mais antigos, criados por Thomas Edison. Tema da reunião: “O que a Vale vai fazer por Itabira?”  Ninguém sabe algo, mas de repente perambula nas bocas e ouvidos  um zum-zum com burburinho à moda dos pardais de telhado. Às vezes entremeados de risos e tosses: “Labruna está chegando Schettino na parede”. Eu, no meio dos focas e fofocas, e foco assim, representando o indestrutível “Hora H”,  imagino um quadro do meu feitio: o majestoso Labruna  com um facão na mão, tamanho daqueles de açougue, tentando furar o pescoço do dirigente máximo da CVRD. Logo eles, os dois, amigos até desaparecer no “horizonte sem fim” (coincidentemente nome do livro biográfico de Labruna).

Ninguém ousa falar alto nem arriscar algum palpite. Persiste aquele papo furado de sempre, no meio do alarido, resume-se assim: “Segredo, segredo, segredo”. O mais importante daquela tarde ensolarada de janeiro era mesmo a visão inicial de Márcio Labruna com um portentoso e afiado instrumento na  mão e tem gente que imaginou os Canhões de Navarone.

 

“OLHA PRA VOCÊ VER!”

 

Abro um parágrafo para esclarecer algum dado. Sou natural de São Sebastião do Rio Preto. Morei e estudei também nas seguintes cidades: Guanhães, Conceição do Mato Dentro, Belo Horizonte, Virginópolis e Itabira, onde me fixei de verdade. De São Sebastião carrego o costume de criar personagens vivos, mortos, verdadeiros ou fictícios. Da terra natal transporto anotados nomes, frases, slogans, da cultura são-sebastianese, que o povo diz sebastianense. São muitas as personagens e frases que, acredito não ter elementos para organizar um livro.

Repare estas anotações aí: “Fica bobo aí”, “Trem bão pra de noite”, “Apertou lá!”, “Ele entregou a rapadura”,  “Olha pra você ver!”, todas do folclore local. Podem pensar que o verbo olhar é como ver e não é. Consulte o significado de cada palavra e verá a diferença. Por isso quando alguém diz a frase “Olhe para você ver”, o  olhar é lento, requer atenção, enquanto o ver estanca no tomar atitude. Tudo se confirma um mês depois, quando a Companhia doou uma verba super gigante para o Fundesi e este distribuiu do  Distrito Industrial. Tudo foi olhado e visto. Fecho o parágrafo.

 

FECHAMENTO DE MINA

No século passado havia quem metia um facão nas mandíbulas dos chefes da CVRD, ou um canhão no peito de diretores. O jornal “O Passarela” foi severamente censurado por publicar na primeira página uma frase simples e inofensiva hoje em dia. Repito sempre um ensinamento que todo historiador aprende nos bancos universitários: “Ver a Idade Média com os olhos da Idade Média”.

Na capa do bravo mensário foi estampada as proibitivas palavras “Se queres tu a Vatu, vá tu buscar”. Vatu era uma siderúrgica da velha Companhia Vale do Rio Doce que a mineradora prometera trazer para Itabira. A CVRD demitiu sumariamente os diretores do jornal e eles aí estão aí para confirmar:  Feliciano de Almeida Brugnara e Marcos Evangelista Alves.

Hoje existe uma frase proibida que talvez não me expulsem do mapa de Itabira porque já fui demitido por apenas ter coordenado o I Encontro Estadual de Cidades Mineradoras (1978). Do evento nasceu o royalty e daí o primeiro imposto quase justo cobrado das mineradoras no Brasil inteiro.

Não quer dizer que fui um novo Brugnara ou Gabiroba nacional, mas aí estou porque, sorrateiramente, a Vale está fechando as minas de ferro itabiranas e não quer discutir o evento. Vêm estudiosos até de outros estados e países para observar, como aconteceu na reunião da Interassociação de Amigos de Bairros no domingo, em 1.º de dezembro (ontem), mas estão de bocas fechadas. Seriam recomendações? Silêncio ensurdecedor?

Entre falar alguma coisa ou ficar mais tempo calado, um dos pesquisadores só disse o óbvio, fato que até os vira-latas de esquina já sabiam. Em outras palavras, o povo de Itabira não está nem preparado nem acreditando que Itabira pode tornar-se uma “cidade-fantasma” e que implantar uma atividade econômica para cem mil pessoas não é tarefa nem para países de primeiro mundo, quanto menos para uma urbe em que o dinheiro voa sem parar.

A um ou outro curioso, mas medroso,  posso ser um pouco teimoso (opa, rimou!) e antecipar, primeiramente aos políticos e segundamente à imprensa: queres luz clara no fim do túnel? Vá tu assistir “o dia depois de amanhã”, apenas o filme, por enquanto.

Se entenderes o filme de Roland Emmerich, de 2004, nem precisarei mais tocar no assunto porque já estou de “saco cheio” ou “num tô nem aí” (essas expressões são do mundo todo e não apenas de São Sebastião do Rio Preto).

O povo de Itabira está passando da hora de deixar de viver como tatu de madrugada.

 

José Sana

Em 02/12/2024

 

Imagem Foto: O Trem/fornecida por Marcos Caldeira e redes sociais

NS
José Sana, jornalista, historiador, graduado em Letras, nasceu em São Sebastião do Rio Preto, reside em Itabira desde 1966.

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