Foi numa tarde de verão, andando pela pracinha, que me encontrei por acaso com uma menina, sentada num dos bancos. Aparentava ter mais ou menos treze anos devido ao seu porte franzino. Trazia nas mãos um caderno que só depois fiquei sabendo que se tratava de um diário. Na conversa, me contou que tinha dezessete anos e que se chamava Flor. Seu nome escolhido por seu pai, foi inspirado na flor de maio, tão branca como a filha que acabara de nascer. Para sua mãe “coruja”, significava a pureza e elevação espiritual representada por essa linda flor. Ela me contou que sempre vai à pracinha em busca de calma para resgatar da memória os momentos felizes, tristezas, emoções e tudo mais que lhe aconteceu na infância.
Perguntou-me o que eu fazia e lhe disse que hoje estou aposentada e que também gosto de escrever. Olhou-me com um sorriso nos olhos e esboçando um sorriso nos lábios perguntou-me: — “Quer ler a minha história?”
Movida pelo impulso e pela curiosidade de conhecer o mistério que se escondia naquele olhar, aceitei o desafio. Comecei a ler e interpretá-lo, página por página.
Pois bem, percebi logo de início que essa guria não era uma adolescente qualquer. Apesar de ter apenas dezessete anos, tinha uma grande bagagem de experiências vividas. Até aos doze anos, morou numa cidadezinha, um pequeno mundo onde se parece ter vivido uma eternidade. Ali nasceu e ali estão guardadas todas as suas ilusões e as recordações de uma infância feliz. Morava na rua principal, mas também era a mais importante rua da cidade. A localização de sua casa era central, bem pertinho da Igreja. A rua descalça entre montanhas abrigava um córrego que desaguava no Rio Preto.
Muitas aventuras foram vividas e muito se divertia quando saía para pescar. Vou tentar transcrever aqui as próprias palavras da protagonista:
_ “Naquele dia, mamãe levou-nos para uma pescaria, algumas amigas, minha irmã e eu. Sempre vamos pescar com mamãe que comanda o bando de pescadores mirins. A alegria de fisgar um “cará” é uma coisa que minhas palavras não conseguem definir. É muita emoção para um coraçãozinho de criança de sete anos. Concentramos debaixo da ponte e conseguimos fisgar alguns. Pelo menos meia dúzia que foi servida no jantar. Após o jantar fomos para a rua brincar até chegar o sono”.
_ “À noite, principalmente de lua cheia a rua se enchia de crianças que disputavam espaços para as brincadeiras até altas horas que naquele tempo não passava das vinte e duas horas. O tempo parecia pouco para tanta diversão. Brincávamos de “pegador”, “queimada”, “pique”, “passa-anel”, “de roda”, tanta coisa que hoje ficou para trás, guardada num cantinho da memória de crianças que tiveram o mesmo privilégio”.
_ “Minha vida de criança era normal, andava descalça na terra, na lama, na chuva, não pegava bactéria. Comia de tudo, ovo sem restrição e não tinha problema de colesterol. Entrava na casa dos amigos sem pedir licença, brincava no quintal, bebia água da bica. Cantei muito “Fui ao Itororó”, “Cai, cai, balão”, “Se essa rua fosse minha”. O pensamento foge-me, vai para bem longe, fico tão aérea… fecho os olhos para não ver que o tempo passou”.
A noite caía e precisei me despedir da minha nova amiga. Abraçamo-nos na certeza de um novo encontro para continuarmos nossa conversa.