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Um tempo se passou e voltei a me encontrar com a minha nova amiga Flor, que conheci numa tarde passeando pela pracinha da cidade. Com a sua autorização, peguei mais uma página de seu diário. Transcrevo aqui uma lenda, ou será algum “causo” verdade, que lhe contaram na infância e que ainda hoje lhe causam tremendos calafrios?

“Tudo se passou em tempos distantes, num lugar escondido no meio da mata onde até os raios do sol temiam penetrar. A mata fechada, espessa, árvores nativas, frondosas, só dava lugar a uma pequena clareira onde o Senhor Jorge construiu sua choupana e foi viver com sua mulher e meia dúzia de pirralhos, seus filhos.

Muitas lendas se contavam sobre os mistérios escondidos nas noites daquela mata. O senhor Jorge, homem matuto, trabalhador, só buscava no vilarejo mais próximo, o que não produzia no seu pequeno sítio.

Naquele dia, levantou-se, colocou na capanga o facão, algumas bananas e inhames cozidos, provisões para aquele dia. Bebeu um gole de café feito com rapadura e comeu um pedaço de broa assada no forno de lenha. Exclamou então para sua mulher:

— Ó Mariinha, não me espera para o almoço. Vou até a Vila buscar umas coisinhas.

— Cuidado, homem! Você sabe o que contam por aí. Se passar das seis horas da tarde, ninguém consegue atravessar a mata.

— Esquenta não, mulher! Você sabe que o medo que tenho é de não ter medo.

— Sei não! Mas é bom não abusar…

O senhor Jorge saiu sem ao menos escutar o final da fala de dona Mariinha. Quando o Senhor Jorge chegou ao Vilarejo, a uma distância de pelo menos duas léguas, o sol já beirava o meio-dia. Sentou-se no banco da praça, comeu o que restou do lanche que saboreou no meio do caminho. Proseou com alguns conhecidos, compadres e afins. Fez o lanche da tarde na casa de um compadre e aproveitou para ver a família dele. Só depois, entrou na venda do senhor Quim e pediu a mercadoria que precisava. Quando deu pelas horas, o sol já se punha.

— É “seu Quim!” Fica esperto que a noite já está caindo e olha que tenho a mata para atravessar!

— Acho melhor ficar por aqui “seu Jorge”. Não convém arriscar na travessia. Até hoje, não conheci um filho de Deus que conseguiu passar para o lado de lá, depois das seis horas da tarde…

— Carece não! Eu só tenho medo do medo que não tenho. Mas por precaução vou levar emprestado comigo esse porrete.

E lá se foi o homem corajoso, desafiando o desconhecido.

A lua já despontava no céu quando surgiu a boca da mata. Apesar de demonstrar coragem, não pode conter as batidas fortes do coração acompanhando cada passo adentro. De repente… Um obstáculo no meio do caminho. Seria aquilo o empecilho? Avançou mais alguns passos e qual não foi a sua surpresa: Um grande caixão preto em meio a focos de luz…

— Meu Deus, é hoje! Pegou o porrete, fechou os olhos para não ver o que estaria à sua frente e,  sem vacilar, arremessou um golpe com tamanha força, quase maior do que a sua coragem. Um berro doído, talvez um gemido, ecoou por entre a copa das árvores e um touro preto, gigante, correu veloz raspando no senhor Jorge, que quase o derrubou.

Por mais que o senhor Jorge tentasse explicar que o caixão preto em meio a focos de luz se tratava de um touro preto deitado e, que os focos de luz eram o reflexo da lua entre os galhos das árvores, não convencia a quem o escutasse.

A notícia se espalhou e pipocou como fogos de artifício. Até hoje, por aquelas bandas ainda se escuta a história do homem que com sua coragem transformou o fantasma do caixão em um touro preto que desapareceu na mata. Isso, porque ninguém conseguiu ver o tal touro que deve estar correndo até agora”.

Maria Flor de Maio
Maria Flor de Maio Ferreira Muzzi reside em Caeté-MG. Aposentada como servidor público da Administração Direta do Estado no cargo de Gestor Fazendário. Trabalhou também como professora de Ensino Fundamental em Escolas Estaduais de Caeté. Casada, mãe de três filhos e seis netos; além de escritora, é poetisa.

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