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A Rússia invadiu a Ucrânia na madrugada desta quinta-feira (24). As tropas
comandadas pelo presidente russo Vladimir Putin se deslocam com
velocidade por cerca de 10 regiões do país. Embora os números ainda
sejam conflitantes, há registros de mortos – inclusive de ao menos uma
criança.

Saiba quem é Volodymyr Zelensky, presidente da Ucrânia que já foi
comediante Tropas russas se aproximam de usina nuclear de Chernobyl, e governo ucraniano teme desastre ecológico.

Monumento da Independência, no centro de Kiev – Crédito – Daniel Leal / AFP

Moradores escutaram e filmaram explosões em várias cidades, inclusive na
capital ucraniana Kiev. As forças militares da Ucrânia resistem e
informaram que mataram pelo menos 50 soldados russos. Mas, afinal de
contas, o que motiva essa guerra?

Motivo Central da Guerra

“É uma questão basicamente de geopolítica, mexendo com o tabuleiro de
xadrez da política internacional. É como se fosse um triângulo com três
vértices: de um lado a Rússia, do outro lado os Estados Unidos e o terceiro
vértice seria a Europa propriamente dita. E, no meio de toda esta confusão, está um país relativamente pequeno, que é a Ucrânia”, resume o professor aposentado de História Contemporânea Antônio Barbosa, da Universidade de Brasília (UnB).

Ele aponta que as movimentações de Vladimir Putin, presidente russo, têm
a ver com o propósito de mostrar para o mundo que o país “continua no
jogo das grandes potências”. Barbosa lembra que, com o fim da União
Soviética, em 1991, nos anos que se seguiram, o poder mundial aparente
estava concentrado nas mãos dos Estados Unidos. “Putin está conseguindo
mostrar que, apesar de a União Soviética não existir mais, de ter perdido o
controle sobre os países do Leste Europeu, a Rússia continua sendo uma
grande potência, inclusive mantendo intacto o seu arsenal nuclear”, analisa.

Vladimir Putin, presidente da Rússia – FOTO: Valter Campanato/ABr

O professor Maurício Santoro, do Departamento de Relações Internacionais
da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj), concorda que “a causa
última de todos esses conflitos envolvendo a Ucrânia é definir qual é a
esfera de influência da Rússia, dos Estados Unidos e da União Europeia no
Leste da Europa”. Ele lembra que, após o colapso da União Soviética,
houve expansão da influência ocidental nos estados que orbitavam o
governo comunista ou mesmo nas repúblicas soviéticas. “Elas passaram a
fazer parte da União Europeia, da Otan [Organização do Tratado do
Atlântico Norte], ou dos dois ao mesmo tempo.”

O que explica a tensão entre Rússia, Estados Unidos e Ucrânia?

Santoro acrescenta que a Rússia coloca pressão nos países ocidentais por
entender que os Estados Unidos passam por um período de instabilidade.
“Há uma leitura, tanto por parte da Rússia quanto por parte da China, de
que esse é um momento de declínio dos Estados Unidos, em que o governo
americano tem se mostrado mais frágil e com maior dificuldade em
alcançar os seus objetivos”, avalia. Ele cita questões relacionadas à
pandemia como reflexo de fragilidade.

Guerra faz Ucrânia faz instaurar Lei Marcial

Veículos militares ucranianos passam pela Praça Independência em Kiev – Crédito – Daniel Leal / AFP

Barbosa também destaca o contexto interno norte-americano. “Se nós
levarmos em consideração questões de ordem interna, a fragilidade no próprio Joe Biden [presidente norte-americano] e as condições do mundo
hoje, os Estados Unidos estão numa posição nada confortável. Até porque
qualquer decisão mais incisiva de Washington não necessita da
concordância unânime da Europa”, avalia.

Por que a Ucrânia?

Santoro explica que a expansão da Otan é encarada pela Rússia como uma
ameaça militar. “Uma ameaça para sua própria integridade territorial”,
aponta. Para os russos, conforme explica o professor, a Ucrânia é um
território com o qual eles podem impedir o avanço das forças militares
ocidentais.

Ele compara aos países bálticos – Letônia, Estônia e Lituânia – que foram
incorporados ao tratado militar e à União Europeia. “Mas eles são países
que historicamente têm uma relação forte com o resto da Europa, muito
próxima ao Ocidente, em termos de comércio, em termos de cultura. Os
russos não tinham como resistir.”

A situação é diferente na Ucrânia. “Basicamente a metade leste do país tem
uma história muito ligada à Rússia e uma presença muito grande de pessoas
que falam russo, com origem étnica russa, quer dizer os laços históricos ali
realmente são todos voltados para a Rússia”, explica. A metade oeste, no
entanto, tem uma história mais ligada ao Ocidente. “É um território que, em
vários momentos da história, fez parte do império Habsburgo ou fez parte
da Polônia. É outra cultura, outra tradição histórica, então a Ucrânia é, ela
mesma, muito dividida com relação a para onde ele vai.”

Santoro lembra que os russos conseguiram manter também sua esfera de
influência nas antigas repúblicas da Ásia Central, como Cazaquistão e
Uzbequistão, e nos países do Cáucaso, como Geórgia e Azerbaijão.

Interesses

Barbosa destaca que muitos países da Europa dependem do abastecimento
de gás natural russo. “Na eventualidade de um conflito armado naquela
região, a Rússia poderia suspender o fornecimento deste gás, que é vital.
Um dos países que mais sofreria com isso é a Alemanha, o que talvez explique o fato de que, ao contrário do Reino Unido e ao contrário da França, a Alemanha, até o presente momento, não abriu a boca para
contestar Putin”, destaca.

Santoro levanta um ponto de dúvida, no entanto, sobre o novo governo de
Olaf Scholz, primeiro-ministro alemão que assumiu fazendo críticas à
antecessora Angela Merkel por não dar atenção suficiente às questões de
direitos humanos na Rússia e na China. “Até que ponto eles são capazes de
alterar o que tem sido a política tradicional alemã”, questiona o professor
da Uerj.

No caso do Reino Unido, Santoro destaca dois aspectos que fazem o país
assumir postura mais bélica. “Um deles é porque o laço econômico não é
tão forte, então eles podem se dar o luxo de um discurso mais duro. O outro
é o momento político que o governo britânico [do primeiro-ministro Boris
Johnson] enfrenta atualmente”, destaca.

O primeiro-ministro enfrenta crise política interna e tem sido pressionado a
renunciar por conta de festas na sede do governo durante a pandemia de
covid-19, infringindo regras do país. “Seria uma maneira de contrabalançar
todas essas dificuldades no plano doméstico.”

Reflexos no Brasil

Efeitos econômicos negativos devem ser o principal reflexo para o Brasil
em caso de uma guerra de proporções mundiais no Leste Europeu. “É uma
economia rigorosamente globalizada. Os efeitos vão se fazer sentir. Quer
um exemplo? No preço do barril do petróleo. A Rússia é um dos três
maiores produtores e exportadores de petróleo do mundo”, exemplifica
Barbosa.

Santoro lembra que a região leste da Europa não é comercialmente
relevante para o Brasil. “Nós não temos nenhum grande interesse nacional
diretamente envolvido na Ucrânia, nessas disputas de fronteira. Agora nós
somos afetados pelos impactos para a economia global de tudo que está
acontecendo ali”, aponta. Para ele, o Brasil deve manter uma postura
diplomática mediadora e de busca de soluções pacíficas.

O professor de relações internacionais, no entanto, levanta dois aspectos
que podem mudar o cenário em relação à posição brasileira. Uma delas é o
fato de que o Brasil voltou ao Conselho de Segurança das Nações Unidas,
onde o tema deverá ser debatido, o país terá que se posicionar. “A segunda
razão é porque o Bolsonaro está de viagem marcada para a Rússia. Uma
viagem que já tinha sido planejada antes do conflito atual, mas ele vai
chegar na Rússia no momento de grandes tensões”, destaca.

Agência Brasil Gabriel dos Santos

 

NS
José Sana, jornalista, historiador, graduado em Letras, nasceu em São Sebastião do Rio Preto, reside em Itabira desde 1966.

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