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Se o mundo de Itabira acabar daqui a cinco, dez, ou vinte anos, o itabirano não terá meio-fio para nele sentar e chorar. Tem, sim, agora, já, muitas explicações que a sua história conta, além de seu presente lúcido e nítido, esta jornada que historiadores, políticos visionários, futurólogos conscientes já escancararam e estampam aos nossos olhos.

Vamos dar títulos e resumir cada exemplo agora, nesta hora, em que muitos fatos nos ensinam em aulas esplendorosas e nos fazem pelo menos abrir os olhos, caso tenhamos o mínimo de sensibilidade.

TUTU CARAMUJO

Esta é a Itabira do Cauê ainda virgem, Itabira vivia o ciclo do ouro. Drummond fez referência ao conterrâneo Tutu Caramujo como aquele itabirano nato que “cisma na derrota incomparável” (Fodo Museu de Itabira)

Esta é a Itabira do Cauê ainda virgem, Itabira vivia o ciclo do ouro. Drummond fez referência ao conterrâneo Tutu Caramujo como aquele itabirano nato que “cisma na derrota incomparável” (Fodo Museu de Itabira)

Antônio Alves de Araújo, eternizado na história de Itabira como Tutu Caramujo, presidente da Câmara Municipal (mesmo cargo de prefeito), no período de 1869 a 1872, lembrado por Carlos Drummond de Andrade no poema “Itabira”, retrata o pensamento do pessimismo itabirano:

“Cada um de nós tem seu pedaço no pico do Cauê

Na cidade toda de ferro

as ferraduras batem como sinos.

Os meninos seguem para a escola.

Os homens olham para o chão.

Os ingleses compram a mina.

Só, na porta da venda, Tutu caramujo cisma na

derrota incomparável.”

 (Alguma poesia/1930)

CAUÊ ENTREGUE DE GRAÇA

No início do século XX até Getúlio Vargas nacionalizar as minas de ferro, o Cauê tinha sido entregue praticamente de graça aos ingleses. Hoje, década de 2020, ele é uma cava (Foto O Trem Itabirano)

No início do século XX, até Getúlio Vargas nacionalizar as minas de ferro, o Cauê tinha sido entregue praticamente de graça aos ingleses. Hoje, década de 2020, ele é uma cava (Foto O Trem Itabirano)

Revejam o poema “Itabira”: “Os ingleses ‘compram’ a mina…” A pergunta que não pode calar: “compram?” O custo foi praticamente de graça, denunciaram os corajosos da época, menos Percival Faquar.

FIM  DA  HEMATITA

Quando a Vale enxergou o fim do minério mais rico, a hematita, iniciou logo a construção de dois projetos que trouxeram 30 mil peões para Itabira, bagunçando completamente a cidade (Foto Divulgação)

Quando a Vale enxergou o fim do minério mais rico, a hematita, iniciou logo a construção de dois projetos que trouxeram 30 mil peões para Itabira, bagunçando completamente a cidade (Foto Divulgação)

Os projetos Cauê e Conceição já eram um prenúncio do fim da rica hematita que, para os sonhadores duraria 500 anos. Aproveitamento de minério de baixo teor ferrífero precisava ser feito porque o futuro não era todo azul como o brilho do Cauê que virou uma cratera imensa, uma cava irreparável.

OURO FALSO

Nas décadas de 1970 e 1980, a Vale anunciou que exploraria o ouro do minério de ferro. O fato trouxe para Itabira milhares de pessoas que adicionaram mais problemas à cidade (Foto de Vila de Utopia)

Nas décadas de 1970 e 1980, a Vale anunciou que exploraria o ouro do minério de ferro. O fato trouxe para Itabira milhares de pessoas que adicionaram mais problemas à cidade (Foto de Vila de Utopia)

Quando a Vale anunciou, em novembro de 1976, que havia ouro no minério de ferro, Itabira se transformou em uma verdadeira “Serra Pelada”. Toda a organização urbana que tinha sido recuperada foi-se por água abaixo. O que aconteceu? A bela Chácara Minervino se tornou um “cemitério clandestino”. Ninguém deu conta dos aventureiros que entregaram a vida pelo ouro falso, de que nem mais falam. Nem percebem o desastre causado no contexto urbano e organizacional de Itabira.

FAZ BAIRROS, DESMANCHA BAIRROS

A foto mostra o que pode acontecer nos próximos dias e expulsar 300 moradores dos bairros Bela Vista e Nova Vista. A barragem avança, a Vale faz o que sempre fez: cria e destrói núcleos habitacionais (Foto: Suassuna)

A foto mostra o que pode acontecer nos próximos dias e expulsar 300 moradores dos bairros Bela Vista e Nova Vista. A barragem avança, a Vale faz o que sempre fez: cria e destrói núcleos habitacionais (Foto: Suassuna)

Não é preciso descrever quantos e quais bairros a mineradora Vale criou e desmanchou. Basta lembrar da Vila Sagrado Coração de Jesus (Explosivo), Paciência de Cima e do Meio, Conceição de Cima e agora, para garantir a veracidade atualizada, parte dos bairros Nova Vista e Bela Vista que estão à beira do fim para desespero de muitas famílias ou de 15 mil pobres-coitados.

ASSOREAMENTO DESTRUIDOR

Antes das barragens não se sabe se era melhor ou pior: vejam como eram assoreados os córregos. Incrível, no entanto, é que esta foto aí é bem recente. Itabira tem mais problemas ou estamos inventando? (Foto O Trem Itabirano)

Antes das barragens não se sabe se era melhor ou pior: vejam como eram assoreados os córregos. Incrível, no entanto, é que esta foto é bem recente. Itabira tem mais problemas ou estamos inventando? (Foto O Trem Itabirano)

Os projetos Cauê e Conceição nasceram para evitar o assoreamento de córregos, grandes riquezas que ornamentavam o meio ambiente itabirano. Durante muitos anos a destruição se consumou. Foi  embora o sonhado Parque da Água Santa, além de outras riquezas cantadas no Hino da Cidade, a exemplo de Três Fontes  e a Fonte do Pará. Até se consumou uma piada histórica: um engenheiro da mineradora declarou aos quatro cantos que a sagrada Água Santa voltaria a jorrar a sua riqueza, quente e morna, dali a 50 anos, como se ele fosse  um profeta porta-voz mandado pela Vale. Foi demitido.

BARRAGENS-BOMBA

Será que o itabirano precisa sofrer mais que todos os povos do mundo? A cidade está cercada de barragens por todos os lados, ou seja, virou uma ilha de lamaçal ameaçados (Foto Divulgação)

Será que o itabirano precisa sofrer mais que todos os povos do mundo? A cidade está cercada de barragens por todos os lados, ou seja, virou uma ilha de lamaçal ameaçador (Foto Divulgação)

A saída para não assorear mais os córregos, já destruídos e agora tomados de esgoto a céu aberto, era a construção de barragens para contenção de rejeitos de minério de ferro. O que a Vale fez sob os olhos compassivos dos itabiranos? Construiu 15 barragens em volta da cidade, transformando-a numa verdadeira ilha cercada de lama. Não digam que a Câmara Municipal não gritou, eu estava lá e fui afugentado por um bando de cegos de olhos abertos. Consultem os anais do Legislativo e lá estão os reclamos intensos, não ouvidos, mas ironizados.

ROTAS DE FUGA

Inacreditavelmente, a Vale transformou Itabira em cidade do pavor. Ou seja, o ameaçado morador só tem a opção de fugir se Brumadinho se repetir por aqui. E se tiver preparo físico invejável (Foto de Átila Lemos)

Inacreditavelmente, a Vale transformou Itabira em cidade do pavor. Ou seja, o ameaçado morador só tem a opção de fugir se Brumadinho se repetir por aqui. E quem  tiver preparo físico invejável pode se salvar (Foto de Átila Lemos)

Para cumprir seus deveres perante a lei, que nunca é uma lei justa, a Companhia resolveu imitar o filme de Sylvester Stallone e Arnold Schwarzenegger e encheu parte de Itabira de placas funestas e horripilantes, fabricantes de pavor, assim descritas: “Rota de Fuga”. Para tentar amenizar, criou outras, inspiradas talvez no dia dos namorados, mas que, na verdade, eram um sarau para apavorados: “Ponto de Encontro”. E Itabira convive com tudo isso, tapando os olhos com a peneira, e nem querendo olhar mais um palmo na frente do nariz. Para humilhação geral, fechou a famosa “Fazenda”, uma mansão para magnatas existente na antiga Vila dos Engenheiros e começou ensinar o itabirano a correr quando a sirene tocar. Todos os “atletas” preparados se salvam quando uma das 15 sirenes tocar, menos crianças, grávidas, puérperas, deficientes físicos (aleijados, cegos, surdos, mudos) e os descartados idosos, vacinados ou não contra o coronavírus e a gripe influenza.

INDUSTRIALIZAÇÃO ILUSÓRIA

Dentre outras iniciativas que Itabira teve destacou-se a ocupação do Distrito Industrial, inaugurado na década de 1980. Dentre outros problemas, o DI expulsou muitas iniciativas com a sua poluição (Foto Vila de Utopia)

Dentre outras iniciativas que Itabira teve destacou-se a ocupação do Distrito Industrial, inaugurado na década de 1980. Dentre outros problemas, o DI expulsou muitas iniciativas com a sua poluição (Foto Vila de Utopia)

Tudo feito no Distrito Industrial, esforço máximo do empresariado sonhador local, ficou naquilo que lá está: apenas um recanto de mais despesas que receitas, sem a possibilidade de crescimento e ainda à procura da ainda conhecida vocação econômica. Afinal, Itabira tem foco em quê? E a poluição que espantou dezenas de empreendedores.

UNIFEI DESVIRTUADA

O criador verdadeiro da Unifei-Itabira chama-se Renato de Aquino Faria Nunes, que alega, entre tantas outros problemas, que o projeto de Itabira não é está correto e não gerará resultados positivos (Foto Divulgação)

O criador verdadeiro da Unifei-Itabira chama-se Renato de Aquino Faria Nunes, que alega, entre tantas outros problemas, que o projeto de Itabira não é está correto e não gerará resultados positivos (Foto Divulgação)

Um das maiores, talvez a maior iniciativa com vistas ao futuro chama-se Universidade Federal de Itajubá (Unifei). Meia dúzia de itabiranos sabem o que essa iniciativa representa. Para entender o seu grande idealizador, então reitor Renato de Aquino Faria Nunes, que sugeriu que alguém conhecesse o Parque Tecnológico de Sophia Antipolis (França), modelo para ser o seu objetivo em Itabira. Por sugestão dele, Aquino, lá estivemos e sentimos à flor do entusiasmo que Itabira estaria salva.

Contudo, ninguém é eterno, principalmente em mandatos políticos, reitoria de universidades, quanto menos em editoria de imprensa, o projeto Renato de Aquino está sendo desvirtuado, ele próprio quem diz, confirmem neste link que cansamos de reproduzir:

PRESÍDIO SEMI-DESTRUÍDO

O Presídio de Itabira custou aos cofres do Estado e de Itabira R$ 3.846.725,87. A Justiça determinou a transferência dos presos por risco de rompimento de Itabiruçu. Agora, desocupado e depredado (Foto Brander Gomes) Dentre outras iniciativas que Itabira teve destacou-se a ocupação do Distrito Industrial, inaugurado na década de 1980. Dentre outros problemas, o DI expulsou muitas iniciativas com a sua poluição (Foto Vila de Utopia)

O Presídio de Itabira custou aos cofres do Estado e de Itabira R$ 3.846.725,87. A Justiça determinou a transferência dos presos por risco de rompimento de Itabiruçu. Agora, desocupado e depredado (Foto Brander Gomes)
Dentre outras iniciativas que Itabira teve destacou-se a ocupação do Distrito Industrial, inaugurado na década de 1980. Dentre outros problemas, o DI expulsou muitas iniciativas com a sua poluição (Foto Vila de Utopia)

 Está em foco nestes dias, disputado com um incêndio inqualificável, um dos temas colocados aos olhos de todos: o Presídio de Itabira, dilapidado por vândalos (ou seriam depredadores encomendados por propagadores do mal?). Não vale alongar, a história está contada em

E são torrados muito mais de R$ 3,8 milhões porque não se constroem, ou reconstroem, outro prédio desse por menos de R$ 5 milhões, asseguram entendidos.

UPA INCENDIADA, MAIS DINHEIRO TORRADO

No início do século XX até Getúlio Vargas nacionalizar as minas de ferro, o Cauê tinha sido entregue praticamente de graça aos ingleses. Hoje, década de 2020, ele é uma cava (Foto O Trem Itabirano)

No início do século XX até Getúlio Vargas nacionalizar as minas de ferro, o Cauê tinha sido entregue praticamente de graça aos ingleses. Hoje, década de 2020, ele é uma cava (Foto O Trem Itabirano)

Um prefeito vem e gasta cerca de R$ 4 milhões para construir uma Unidade de Pronto Atendimento (UPA) e a obra fica como no poema de Drummond, no meio do caminho. Chega outro e nem quer saber do que se trata, deixa a obra inacabada, como a “Sinfonia Incompleta”, de Schubert. O povo diz o que quer até que “odeia político”. Mas esses não tomam vergonha na cara e não ouvem o clamor popular. Afinal, existe o marketing, que, na hora certa, conserta tudo e amansa até burro bravo.

Ao prefeito atual, bem que podiam culpá-lo (será que sim?). Viveu cinco meses de trabalho e encontrou a cidade transbordando de problemas advindos do anterior,  repleto de contaminação pelo coronavírus e mortes inapeláveis e incontidas. Só não anunciou que daria sequência à tal UPA do Bairro Fênix, incendiada neste domingo (23/05/2021).

O prefeito Marco Antônio Lage publicou uma nota pessoal de esclarecimentos, justificando que havia determinado estudo especial, administrativo, sobre essa famosa UPA abandonada e que teria custado a “ninharia” de R$ 4,1 milhões. Mal de Itabira sapecar dinheiro público.

100 % DE FERRO NA ALMA CONTINUAM

Para Drummond, o itabirano tem 80% de ferro na alma. Agora, com tantos problemas terá que ter um pouco mais, exatamente 100% porque os problemas são maiores que todos pensam (Foto Arquivo)

Para Drummond, o itabirano tem 80% de ferro na alma. Agora, com tantos problemas terá que ter um pouco mais, exatamente 100%, porque os problemas são maiores que todos pensam (Foto Arquivo)

Nada mais a dizer senão declarar que se Deus deu a Itabira o destino de uma cidade pré-Noé, ameaçada por um dilúvio de água ou de fogo, também delegou aos itabiranos a paciência de Jó disposto a sofrer para sempre.

Em seu mais contundente poema, “Confidência do Itabirano”, Carlos Drummond de Andrade economia 20% de ferro em nossas almas. Tomo a liberdade de computar 100% de inércia, “sem-vergonhice”, mas equilibro com coragem intimorata ou destemor sem medidas:

Alguns anos vivi em Itabira.

Principalmente nasci em Itabira.

Por isso sou triste, orgulhoso: de ferro.

Noventa por cento de ferro nas calçadas.

Oitenta por cento de ferro nas almas.

E esse alheamento do que na vida é porosidade e comunicação.

 

A vontade de amar, que me paralisa o trabalho,

vem de Itabira, de suas noites brancas, sem mulheres e sem horizontes.

E o hábito de sofrer, que tanto me diverte,

é doce herança itabirana.

 

De Itabira trouxe prendas diversas que ora te ofereço:

esta pedra de ferro, futuro aço do Brasil;

este São Benedito do velho santeiro Alfredo Duval;

este couro de anta, estendido no sofá da sala de visitas;

este orgulho, esta cabeça baixa…

 

Tive ouro, tive gado, tive fazendas.

Hoje sou funcionário público.

Itabira é apenas uma fotografia na parede.

Mas como dói!

(Sentimento do mundo/1940)

E vamos lutar enquanto Deus nos der  vida e força, de cabeça baixa ou alta, e pensando o que for do “como dói!”… se dói… azar da dor.

EM TEMPO: O desfile de problemas aqui é muito resumido. Se Deus assim o permitir, deixarei um livro contando de peito aberto toda a nossa história, até agora necessitando de reparos e tomadas de medidas completamente ao contrário do que vem sendo feito. E este livro está em andamento, nada de biografia, mas a história nua e crua de Itabira e seus tropeços. Prometo, no entanto, mudar a rota se, logicamente, a rota for alterada.

A Editoria

(José Sana)

23/05/2021.

NS
José Sana, jornalista, historiador, graduado em Letras, nasceu em São Sebastião do Rio Preto, reside em Itabira desde 1966.

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    Darliete Araujo Martins
    Darliete Araujo Martins
    3 years ago

    De fato e de direito falar sobre nossas mazelas nesta terra de meu Deus, é trabalho muito difícil e leva tempo! Historiadores, de hoje e de outrora , fartamente indignados recorrem ao mais retórico português para cantar em verso e em prosa dicas de solução para os problemas que se avolumam na terra da pedra lisa.
    Soluções em curto e médio prazo já existem ou são possíveis nem mesmo com mais de 600 milhões em caixa. Será necessário a robustez das atitudes, a coragem do enfrentamento e a perspicácia da ação humana e política para desbravar estes mares de loucura ou pura lucidez! O fato é que precisamos de políticos corajosos e muito destemidos para levar a termo, ações que já passaram da hora da solução. Ou então deixar que a cidade corra o risco iminente de continuar se afundando na lama e nas atitudes impensadas de alguns comandantes desta fragata.

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