Se o mundo de Itabira acabar daqui a cinco, dez, ou vinte anos, o itabirano não terá meio-fio para nele sentar e chorar. Tem, sim, agora, já, muitas explicações que a sua história conta, além de seu presente lúcido e nítido, esta jornada que historiadores, políticos visionários, futurólogos conscientes já escancararam e estampam aos nossos olhos.
Vamos dar títulos e resumir cada exemplo agora, nesta hora, em que muitos fatos nos ensinam em aulas esplendorosas e nos fazem pelo menos abrir os olhos, caso tenhamos o mínimo de sensibilidade.
TUTU CARAMUJO
Antônio Alves de Araújo, eternizado na história de Itabira como Tutu Caramujo, presidente da Câmara Municipal (mesmo cargo de prefeito), no período de 1869 a 1872, lembrado por Carlos Drummond de Andrade no poema “Itabira”, retrata o pensamento do pessimismo itabirano:
“Cada um de nós tem seu pedaço no pico do Cauê
Na cidade toda de ferro
as ferraduras batem como sinos.
Os meninos seguem para a escola.
Os homens olham para o chão.
Os ingleses compram a mina.
Só, na porta da venda, Tutu caramujo cisma na
derrota incomparável.”
(Alguma poesia/1930)
CAUÊ ENTREGUE DE GRAÇA
Revejam o poema “Itabira”: “Os ingleses ‘compram’ a mina…” A pergunta que não pode calar: “compram?” O custo foi praticamente de graça, denunciaram os corajosos da época, menos Percival Faquar.
FIM DA HEMATITA
Os projetos Cauê e Conceição já eram um prenúncio do fim da rica hematita que, para os sonhadores duraria 500 anos. Aproveitamento de minério de baixo teor ferrífero precisava ser feito porque o futuro não era todo azul como o brilho do Cauê que virou uma cratera imensa, uma cava irreparável.
OURO FALSO
Quando a Vale anunciou, em novembro de 1976, que havia ouro no minério de ferro, Itabira se transformou em uma verdadeira “Serra Pelada”. Toda a organização urbana que tinha sido recuperada foi-se por água abaixo. O que aconteceu? A bela Chácara Minervino se tornou um “cemitério clandestino”. Ninguém deu conta dos aventureiros que entregaram a vida pelo ouro falso, de que nem mais falam. Nem percebem o desastre causado no contexto urbano e organizacional de Itabira.
FAZ BAIRROS, DESMANCHA BAIRROS
Não é preciso descrever quantos e quais bairros a mineradora Vale criou e desmanchou. Basta lembrar da Vila Sagrado Coração de Jesus (Explosivo), Paciência de Cima e do Meio, Conceição de Cima e agora, para garantir a veracidade atualizada, parte dos bairros Nova Vista e Bela Vista que estão à beira do fim para desespero de muitas famílias ou de 15 mil pobres-coitados.
ASSOREAMENTO DESTRUIDOR
Os projetos Cauê e Conceição nasceram para evitar o assoreamento de córregos, grandes riquezas que ornamentavam o meio ambiente itabirano. Durante muitos anos a destruição se consumou. Foi embora o sonhado Parque da Água Santa, além de outras riquezas cantadas no Hino da Cidade, a exemplo de Três Fontes e a Fonte do Pará. Até se consumou uma piada histórica: um engenheiro da mineradora declarou aos quatro cantos que a sagrada Água Santa voltaria a jorrar a sua riqueza, quente e morna, dali a 50 anos, como se ele fosse um profeta porta-voz mandado pela Vale. Foi demitido.
BARRAGENS-BOMBA
A saída para não assorear mais os córregos, já destruídos e agora tomados de esgoto a céu aberto, era a construção de barragens para contenção de rejeitos de minério de ferro. O que a Vale fez sob os olhos compassivos dos itabiranos? Construiu 15 barragens em volta da cidade, transformando-a numa verdadeira ilha cercada de lama. Não digam que a Câmara Municipal não gritou, eu estava lá e fui afugentado por um bando de cegos de olhos abertos. Consultem os anais do Legislativo e lá estão os reclamos intensos, não ouvidos, mas ironizados.
ROTAS DE FUGA
Para cumprir seus deveres perante a lei, que nunca é uma lei justa, a Companhia resolveu imitar o filme de Sylvester Stallone e Arnold Schwarzenegger e encheu parte de Itabira de placas funestas e horripilantes, fabricantes de pavor, assim descritas: “Rota de Fuga”. Para tentar amenizar, criou outras, inspiradas talvez no dia dos namorados, mas que, na verdade, eram um sarau para apavorados: “Ponto de Encontro”. E Itabira convive com tudo isso, tapando os olhos com a peneira, e nem querendo olhar mais um palmo na frente do nariz. Para humilhação geral, fechou a famosa “Fazenda”, uma mansão para magnatas existente na antiga Vila dos Engenheiros e começou ensinar o itabirano a correr quando a sirene tocar. Todos os “atletas” preparados se salvam quando uma das 15 sirenes tocar, menos crianças, grávidas, puérperas, deficientes físicos (aleijados, cegos, surdos, mudos) e os descartados idosos, vacinados ou não contra o coronavírus e a gripe influenza.
INDUSTRIALIZAÇÃO ILUSÓRIA
Tudo feito no Distrito Industrial, esforço máximo do empresariado sonhador local, ficou naquilo que lá está: apenas um recanto de mais despesas que receitas, sem a possibilidade de crescimento e ainda à procura da ainda conhecida vocação econômica. Afinal, Itabira tem foco em quê? E a poluição que espantou dezenas de empreendedores.
UNIFEI DESVIRTUADA
Um das maiores, talvez a maior iniciativa com vistas ao futuro chama-se Universidade Federal de Itajubá (Unifei). Meia dúzia de itabiranos sabem o que essa iniciativa representa. Para entender o seu grande idealizador, então reitor Renato de Aquino Faria Nunes, que sugeriu que alguém conhecesse o Parque Tecnológico de Sophia Antipolis (França), modelo para ser o seu objetivo em Itabira. Por sugestão dele, Aquino, lá estivemos e sentimos à flor do entusiasmo que Itabira estaria salva.
Contudo, ninguém é eterno, principalmente em mandatos políticos, reitoria de universidades, quanto menos em editoria de imprensa, o projeto Renato de Aquino está sendo desvirtuado, ele próprio quem diz, confirmem neste link que cansamos de reproduzir:
PRESÍDIO SEMI-DESTRUÍDO
Está em foco nestes dias, disputado com um incêndio inqualificável, um dos temas colocados aos olhos de todos: o Presídio de Itabira, dilapidado por vândalos (ou seriam depredadores encomendados por propagadores do mal?). Não vale alongar, a história está contada em
E são torrados muito mais de R$ 3,8 milhões porque não se constroem, ou reconstroem, outro prédio desse por menos de R$ 5 milhões, asseguram entendidos.
UPA INCENDIADA, MAIS DINHEIRO TORRADO
Um prefeito vem e gasta cerca de R$ 4 milhões para construir uma Unidade de Pronto Atendimento (UPA) e a obra fica como no poema de Drummond, no meio do caminho. Chega outro e nem quer saber do que se trata, deixa a obra inacabada, como a “Sinfonia Incompleta”, de Schubert. O povo diz o que quer até que “odeia político”. Mas esses não tomam vergonha na cara e não ouvem o clamor popular. Afinal, existe o marketing, que, na hora certa, conserta tudo e amansa até burro bravo.
Ao prefeito atual, bem que podiam culpá-lo (será que sim?). Viveu cinco meses de trabalho e encontrou a cidade transbordando de problemas advindos do anterior, repleto de contaminação pelo coronavírus e mortes inapeláveis e incontidas. Só não anunciou que daria sequência à tal UPA do Bairro Fênix, incendiada neste domingo (23/05/2021).
O prefeito Marco Antônio Lage publicou uma nota pessoal de esclarecimentos, justificando que havia determinado estudo especial, administrativo, sobre essa famosa UPA abandonada e que teria custado a “ninharia” de R$ 4,1 milhões. Mal de Itabira sapecar dinheiro público.
100 % DE FERRO NA ALMA CONTINUAM
Nada mais a dizer senão declarar que se Deus deu a Itabira o destino de uma cidade pré-Noé, ameaçada por um dilúvio de água ou de fogo, também delegou aos itabiranos a paciência de Jó disposto a sofrer para sempre.
Em seu mais contundente poema, “Confidência do Itabirano”, Carlos Drummond de Andrade economia 20% de ferro em nossas almas. Tomo a liberdade de computar 100% de inércia, “sem-vergonhice”, mas equilibro com coragem intimorata ou destemor sem medidas:
Alguns anos vivi em Itabira.
Principalmente nasci em Itabira.
Por isso sou triste, orgulhoso: de ferro.
Noventa por cento de ferro nas calçadas.
Oitenta por cento de ferro nas almas.
E esse alheamento do que na vida é porosidade e comunicação.
A vontade de amar, que me paralisa o trabalho,
vem de Itabira, de suas noites brancas, sem mulheres e sem horizontes.
E o hábito de sofrer, que tanto me diverte,
é doce herança itabirana.
De Itabira trouxe prendas diversas que ora te ofereço:
esta pedra de ferro, futuro aço do Brasil;
este São Benedito do velho santeiro Alfredo Duval;
este couro de anta, estendido no sofá da sala de visitas;
este orgulho, esta cabeça baixa…
Tive ouro, tive gado, tive fazendas.
Hoje sou funcionário público.
Itabira é apenas uma fotografia na parede.
Mas como dói!
(Sentimento do mundo/1940)
E vamos lutar enquanto Deus nos der vida e força, de cabeça baixa ou alta, e pensando o que for do “como dói!”… se dói… azar da dor.
EM TEMPO: O desfile de problemas aqui é muito resumido. Se Deus assim o permitir, deixarei um livro contando de peito aberto toda a nossa história, até agora necessitando de reparos e tomadas de medidas completamente ao contrário do que vem sendo feito. E este livro está em andamento, nada de biografia, mas a história nua e crua de Itabira e seus tropeços. Prometo, no entanto, mudar a rota se, logicamente, a rota for alterada.
A Editoria
(José Sana)
23/05/2021.
De fato e de direito falar sobre nossas mazelas nesta terra de meu Deus, é trabalho muito difícil e leva tempo! Historiadores, de hoje e de outrora , fartamente indignados recorrem ao mais retórico português para cantar em verso e em prosa dicas de solução para os problemas que se avolumam na terra da pedra lisa.
Soluções em curto e médio prazo já existem ou são possíveis nem mesmo com mais de 600 milhões em caixa. Será necessário a robustez das atitudes, a coragem do enfrentamento e a perspicácia da ação humana e política para desbravar estes mares de loucura ou pura lucidez! O fato é que precisamos de políticos corajosos e muito destemidos para levar a termo, ações que já passaram da hora da solução. Ou então deixar que a cidade corra o risco iminente de continuar se afundando na lama e nas atitudes impensadas de alguns comandantes desta fragata.