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“Nunca imaginei que chegaria aos 100 anos”. A frase não é de minha autoria, mas de um amigo médico, Colombo Portocarrero de Alvarenga. Ele repetiu os mesmos verbos e numeral nos seus 101, 102, 103 e vai repetir neste ano próximo nos 104. “Idade é questão de acostumar-se com ela e isto aos poucos entra na minha cabeça”, disse-me recentemente.

“Eu não tenho idade nenhuma. O que posso ter ainda não aconteceu”.  “O sonho é que leva a gente para a frente”. “Se a gente for seguir a razão, fica a   quietado, acomodado”. “Quem gosta de ler não morre só”. As três frases  acima  são do poeta, escritor, romancista, artista nordestino Ariano Suassuna.

Abordei idade agora porque já vou fazer uns  tantos agora no mês de janeiro, dia 4 para quem gosta de dar presentes. Quando era criança adorava fazer anos. Minha Vó Maria era o melhor presente que dava aos netos: carregava o aniversariante pelo sobrado afora, cantando e dando beijos que pareciam infinitos. Ela faleceu aos 105 e deixou tanta saudade quanto o registro de sua longevidade.

Até os  70 vivia sobressaltado pelos números. Achava-os martirizantes, terríveis. Meu pai só chegou nos 75 e minha mãe aos 96. Perdi outros parentes queridos, amigos inseparáveis e criaturas insubstituíveis. Se o repicar do barulho da lata continuasse no mesmo tom e som imaginaria dois acontecimentos: ou 8 ou 80. Mas sei que caçoam dos velhos e já os chamam de “véio”. Ainda arriscam a conclusão de cada um: “Ele está fazendo hora extra”.

Não tem outra saída, quem quer viver bem tem que viver muito. Estou chegando nos 80. Nasci em 4 de janeiro de 1945, numa quinta-feira, às 16 horas, números e nomes escritos por minha Vó, a mesma que carregava os netos pela grandeza do sobrado, indo e vindo, ao som do “Parabéns pra você”.

Como fiz dos 50 em diante, queria ficar calado,  mas não tive como segurar porque  esconder muxiba mais cabelos brancos, mais vontade de comer e de amar, não tem jeito, então tive que acelerar  as  pesquisas. Sou impelido a dizer que encontrei, numa das pesquisas uma descrição, em vídeo que traça o medo de morrer como um fato simplesmente fácil de evitar, mas infinitamente difícil de ser enfrentado. Em outras palavras, o cidadão, normalmente, não quer ser dono do nariz e da boca. Que outros tomem conta no seu lugar.

Diz um locutor na narrativa que tenho guardada uma frase que derruba qualquer dúvida, pelo menos para minhas conclusões: “O medo de morrer é nada mais que o fato de não ter encontrado o sentido da vida”. Em outras palavras, é simplesmente ter aportado no ponto zero, e não ter pegado na ferramenta para enfrentar o desafio.

Falar de si próprio  parece narcisismo e mostra a nossa razão acima de tudo. Mas eu não poderia nem posso mais calar-me diante da conclusão que tomou conta de mim: precisamos antes fazer um exame de admissão, ou um vestibular, ou um Enem, antes de dizer que desejamos nos matricular na escola do saber de tudo. Essa conquista se apresenta como o anti-narcisismo. Não o contrário, por tratar-se de ação humilde e que mora numa casa de telhado de vidro. Quem não tem numa dessas coberturas quebráveis?

Na leitura que fiz da vida encontrei um monte de erros e tenho comigo uma lista pronta que denomino pré-Juízo Final. Familiarmente, com exceção de alguns trancos dados, não passei disso e este é o meu triunfo: planejamos, juntos — minha esposa e eu —  termos cinco filhos e já tínhamos os nomes de cada um. Guardávamos os rabiscos num baú com uma mil e tantas cartas escritas durante o namoro e o noivado. Cada filho tem uma história e cada história faz lágrimas desceram em enxurradas fronte abaixo. Infelizmente, perdemos o baú e não temos essas descrições. Alguém gostou dele. Mas temos a provas evidentes e incontestáveis.

Bem, é isso o que tinha a dizer. Faltam alguns dias para os 80 e me sinto, graças a Deus, como se tivesse menos de 10 — por este momento faço a pergunta — é  8 ou 80?  — sabendo-se que 8 seria o tempo em que consegui entender o sentido da vida. Humildemente, repito, a corrida  me obriga a contar essa proeza que é apenas um resultado de muitos estudos, conversas com idosos (os primeiros Eny Figueiredo e Colombo). A situação que combina com o projeto de Deus.

Conclusão: não quero ser chamado de egoísta. Nem por meia dúzia de gatos pingados.

José Sana

24/12/2024

Fotos: Notícia Seca

PS: Meu currículo simplificado: comecei a trabalhar aos 9 anos em loja, prendendo bezerros, arando terra, guiando bois, engraxando sapatos. Não parei ainda, graças a Deus. Aceito emprego compatível com minhas profissões

NS
José Sana, jornalista, historiador, graduado em Letras, nasceu em São Sebastião do Rio Preto, reside em Itabira desde 1966.

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