0

Dr. Colombo e Eny recebem as visitas na varanda e fazem a despedida também na varanda

Se você tem velhas enciclopédias encalhadas ou empoeiradas em prateleiras de sua casa; ou tem mesmo uma biblioteca com mil, dois mil, dez mil títulos; ou um memorial dos maiores escritores que passaram em nossa região; ou tem o costume de consultar o Google na internet e outras referências que se tornaram empresas multinacionais — Se o tema for Itabira e sua vasta região, ou mesmo Minas, o Brasil e o mundo; se quer falar de qualquer assunto que lhe passar pela cabeça, em tudo ele não se esquiva. Estamos nos referindo ao médico Colombo Portocarrero de Alvarenga que, neste 17 de junho de 2022, completa 101 anos de idade e vive na simplicidade da vida de Itabira, anônimo, mas muito conhecido de toda a região por seus inqualificáveis serviços prestados à comunidade de uma extensa área de Minas Gerais.

Recepção com muitos sorrisos

Chegamos à casa de Dr. Colombo e Eny Figueiredo de Alvarenga neste 15 de junho e fomos recebidos jubilosamente por eles. Somos: Brander do Carmo Gomes (fotógrafo), Maria Helena Gomes Nascimento (professora aposentada, compositora musical e violonista) e eu.

Abraços, diferentemente de 2021, o Ano do Centenário, quando a pandemia da Covid-19 estava no seu ápice de decepar vidas. “Ainda falam em pandemia, mas, podem crer, trata-se de um resíduo de doença adaptável ao meio ambiente”. E completei com o que ele concordou num aceno de cabeça: “Continuemos na defensiva e nos cuidando como devemos ser orientados pelos profissionais de saúde”.

Mais que entrevista, uma conversa alegre e franca: o casal tem mais de 74 anos de convivência

Início de entrevista

“Este ano é 101, vou fazer 100 mais 1” , declarou,  acrescentando que não tem festa. Mas lhe foi feito o desafio: “O senhor disse que teria festa nos 200”. Ele concordou às gargalhadas e uma voz foi soprada no meio do ato alegre da receptividade. “Ele será 101, mais Eny 97 , a soma chega a 198; daqui a dois anos, portanto, se Deus quiser, esta abençoada casa somará dois centenários”.

E por falar em Eny e em somar, antes de ligar o gravador Colombo reclamava da ausência dela na sala de visitas em que nos estabelecemos de 14h30 às 16h30. “Ela já vem”, disse Agnaldo, quem é um dos cuidadores deles. Ao lado do marido, a nonagenária completa algo importante na vida dos dois: se ele tem pequena dúvida (números, idades, datas, locais, nomes etc.), ela conserta, e vice-versa. Não há expressão que esclareça esta afinidade ou diria outra palavra: complementariedade de gênios. Afinal, estão casados há 74 anos e, mesmo antes, trabalhavam juntos no Hospital Nossa Senhora das Dores.

Aqui Dr. Colombo começa a contar a sua história cheia de emoções, muita luta, fala de sua terra natal (Santa Maria de Itabira), muito de medicina, de política nacional e local, esportes, família, profissões, carnaval, vida literária (que ele nega, mas é poeta) educação, saúde, irmãos, sobrinhos etc., tudo com um detalhe: precisão de nomes, números e datas.

Só para resumir: nasceu na Fazenda Morro, município de Santa Maria de Itabira, em 17 de junho de 1921; é filho de Álvaro e Haydée Alvarenga; chegou a Itabira aos 5 anos de idade; estudou em Peçanha, depois Itabira (Ginásio Sul-Americano); retornou a Itabira em 1949 como médico; casou-se e não teve filhos; é o mais novo e único vivo dos 12 filhos do casal.

A festa dos cem anos

Início de 2021: prefeito Marco Antônio Lage assina projeto de lei denominando o Ano dos centenários de Dr. Colombo e Dom Mário Teixeira Gurgel

“A festa foi muito boa, assim como a homenagem que recebi, o Ano do Centenário, não mereci. Cheguei ao número de cem, agora 101 depois de amanhã, porque fui bem-cuidado por mim e pelos meus. Como médico, cumpri a minha obrigação”.

“Encontrei-me rapidamente com o prefeito Marco Antônio, estive na Prefeitura uma vez. Ele me disse que foi você, José Sana, quem fez a festa”. Respondi ao médico centenário: “Não, Dr. Colombo, não fui eu; ele mesmo disse, em seu discurso, aqui na sua varanda, que eu dei a ideia. Foi somente isso o que fiz”, esclareci. Até esse dia 15, antevéspera dos 101 anos, Dr. Colombo pensava que eu trabalhasse na Prefeitura. Ele se esclareceu que sou apenas um torcedor voluntário.

Itabira desconhecida

Itabira transformada: Dr. Colombo diz que não conhece mais a cidade e acrescenta que já se perdeu no Bairro Jardim da Gabiroba (Foto Via Comercial)

“Ando por aí, de carro, sempre, pelo centro da cidade e pelos bairros e digo que não reconheço Itabira mais. A cidade não tem apenas 120 mil habitantes, tem muito mais. Vejo o Bairro Gabiroba totalmente diferente, fico perdido. A cidade tem muitos problemas e o Marco Antônio está mesmo apertado, é muito mais problemas do que ele dizia”.

Política nacional

Todos sabem que Dr. Colombo foi vereador em Itabira, deixou a UDN porque esse partido político se aliou à Vale e nunca mais quis exercer qualquer cargo político. Deixou até de ser prefeito, como ficou claro em sua história.

Na deflagração da ditadura Vargas, ou Estado Novo, em 1937,  ele quem esclarece:  juntou-se a estudantes e promoveu um chamado “baile de despedida da liberdade”. Ele mesmo diz: “Getúlio deu o golpe, implantou a ditadura. Nós da oposição, nada tínhamos a fazer, então, fizemos um baile”.

“Sempre fui contra a ditadura e a esquerda. Nunca votei em partido da esquerda, senão em Marco Antônio para prefeito, por questão pessoal. Nunca votei em Lula e nunca votarei”

Ditadura, sempre dura

“A ditadura Vargas foi infinitamente mais pesada, difícil de enfrentar, que a ditadura de 1964. A nossa família sofreu as maiores consequências porque a Vale estatal era a mandona. Muitos parentes meus foram prejudicados. Os médicos, como eu fui, sempre recebiam menos que os engenheiros. Na Vale tudo era ao sabor da politicagem. Somente na época do Jânio Quadros começou a mudar. Alguns engenheiros eram favoráveis ao Jânio, ou seja, à UDN. O PSD mandou durante muito tempo e eram cometidos muitos absurdos”.

“No Brasil não temos ainda uma democracia completa. Em toda eleição temos candidatos polarizados à presidência e à governadoria do Estado. O povo não tem a liberdade de escolha como deveria ter”

Compositores frente a frente

Maria Helena Gomes Nascimento é ex-professora, compositora musical, violonista, frequentadora da casa de Dr. Colombo. “Toda semana venho aqui visitar Dr. Colombo e Eny”, diz ela. Aí, a reportagem provocou o diálogo que estabeleceu a clareza do trabalho de muitos anos, ou seja, Dr. Colombo escrevia seus poemas, suas linhas, desabafava de suas inspirações. Mandava para Maria Helena e ela fazia a música. Aí entrou a pergunta depois de colocá-los frente a frente e pedir uma só resposta: “Quem nasceu primeiro, o ovo ou a galinha? Ou seja, a letra ou a música?” A resposta uníssona dos dois artistas: “Primeiro a letra, depois a música”. Mas ambos pararam de trabalhar e nem explicam esse “descanso”. Imagina-se que as atividades e os fatos os detiveram.

Os  Alvarenga

Família Alvarenga em 1932: Colombo Portocarrero de Alvarenga, ainda criança, 11 anos, o primeiro, de terno branco

“Meu irmão Osvaldo tornou-se coletor estadual  e nos levou para Peçanha, onde era coletor estadual. Mas perdeu o emprego logo nos primeiros atos da ditadura Vargas. O grande responsável pela família, que a sustentou durante muito tempo foi o Mauro (Dr. Mauro de Alvarenga). Itabira reconheceu grande parte de seu trabalho, ele recebeu muitas homenagens. E nós, da família, reconhecemos o seu empenho por todos os irmãos e pais”

Itabira tem futuro, sim

“Acredito e sempre acreditei no futuro de Itabira. A cidade está crescendo e vai se cuidando com atividades que podem ser de fornecimento à Vale mas não totalmente dependentes dela. Sempre acreditei, até mesmo que a Vale possa ajudar nesse processo econômico e social”.

“Agora esão falando em Faculdade de Medicina. Se for realmente implantada, como acredito que sim, teremos uma grande fonte de economia para o futuro e melhoria muito importante na área social”.

Dona Eny e Doutor Colombo lado a lado

“Casamo-nos em 1948, portanto temos 74 anos de matrimônio, mas antes disso fomos companheiros no trabalho. Conversávamos o dia todo”, ambos se completaram nestas palavras.

“Tivemos muito tempo para depois do casamento conversamos mais sobre as Coroas do Vôlei, um time que organizamos. Para começar, exigimos, nas normas, que toda atleta fosse casada. Surgiram alguns problemas, mas o que fazer, era um jeito de formamos uma equipe mais responsável. Houve casos em que casamos uma das participantes para que ela entrasse no time” (risos, risos).

Dona Eny e o Raios X

Olhem eles aí: a dupla de mais de 74 anos de convivência, vestidos de
sheik e sheikha – Arquivo da Família

Eny Figueiredo era funcionária do Hospital Nossa Senhora das Dores antes de casar-se com o médico diretor do hospital, Dr. Colombo. Ela conta que trabalhou durante anos a fio nos aparelhos de Raios X. Com ela desenvolvemos este diálogo: “Dona Eny, em quanto tempo a senhora trabalhou fazendo radiografia de pacientes?” Ela: “Trabalhei exatamente 18 anos”. Eu: “A senhora usava equipamentos de proteção para exames, os chamados EPIs?”  Ela: “Não, nunca usei, não havia proteção, mas, graças a Deus, nada tive de problema de saúde”. Dr. Colombo declara que talvez ela tenha ficado estéril devido ao longo trabalho com Raios X. O casal não teve filhos.

O melhor prefeito

“Durante a ditadura Vargas Itabira tinha um prefeito por mês. Teve um que ficou um dia. Mauro, prefeito também e eleito pelo povo, não renunciou. Ele fechou a prefeitura, foi para casa e deixou a chave com o porteiro. Nunca mais voltou lá.”

Daniel Grisolia, quando não estava bêbado, era um ótimo prefeito. Eu era vereador na época. E Daniel começava a beber, e então, virava e mexia, dona Lourdes chamava a gente e resolvemos levá-lo para Belo Horizonte ei interná-lo.

Chamei o Seu Zinho, que era “bicheiro” e que foi também vereador, e um enfermeiro do Hospital Carlos Chagas para levar Daniel para Belo Horizonte e fazermos o que decidimos. Tudo combinado lá no hospital. Quando chegamos, ele não quis ser internado de jeito nenhum. Aí o diretor do hospital disse: ‘Vocês levam ele a um bar, deixam ele tomar umas e outras, e depois vocês o trazem’. Chegamos no bar, pedimos cerveja, ele disse: ‘Só bebo guaraná’. Tivemos de desistir.

O café tradicional

Mesa do café. É o quarto que me é oferecido depois de entrevistas. Já sabia que ele não faltaria. Aí conversamos sobre o próximo dia 17. Maria Helena disse que está parada de criar peças musicais, “até do violão”, afirmou. Dr. Colombo afirmou que depois da comemoração dos cem anos começou a escrever sobre fatos de sua vida. “Escrevi alguma coisa, depois me cansei, vi-me sem utilidade e parei!” Teve a resposta imediata: “Que pena! Continue.

Ele abandonou a mesa e foi buscar um caderno em que tem anotadas várias poesias, como: “Pepê, o fazendeiro”, “80 anos de Mauro”, “Tempo de Coroas”, “Pagodes das Coroas”, “Hino da Bandeira”, “Lambada das Coroas”, “Tempos”, “Rainha do Mar”, “Morro Escuro, a volta”, “Bem-te-vi”, “Sol”, “Vida”, “Cruzeiro-Cruzado”, “Renata, 15 anos”, “Mauro e Biela, bodas de ouro”, “Coroas, bodas de prata”, “Festas das Coroas”, “Os fazendeiros Bernardo e Jairon”, “Peçanha, noite de São João” e vários sambas-enredo da Escola de Samba Nove de Outubro, além de pequenos versos com os quais encerramos este texto, lembrando o humor de um “casamento na roça”, de quadrilha de junho:

“É hora do casamento, a noiva tá lá na frente

barriguda e saliente.

O noivo arrastado

entre o padre e o delegado”

Não tem visita sem café, além da cortesia e sem preocupação de
horário: Dr. Colombo recebe todos de sorriso pronto para agradar

Na hora de nossa saída, novas fotos e as palavras dele: “Depois de amanhã completo 101 anos. Mas não tem festa.” A resposta: “Desde já os nossos parabéns!”

Obrigado a todos da casa de Dr. Colombo pela receptividade mais uma vez. A ele, o casal, um agradecimento especial.

Texto: José Sana

Reportagem: Maria Helena, Brander Gomes e José Sana

Fotos: Brander Gomes

NS
José Sana, jornalista, historiador, graduado em Letras, nasceu em São Sebastião do Rio Preto, reside em Itabira desde 1966.

    Catas Altas é vencedora do Prêmio Município Mineradores

    Matéria Anterior

    Da Série: “Eu sei o que você fez nas Últimas Eleições”.

    Matéria Seguinte
    3 2 votes
    Article Rating
    Subscribe
    Notify of
    guest
    0 Comentários
    Oldest
    Newest Most Voted
    Inline Feedbacks
    View all comments

    Você também pode gostar

    ITABIRA SEM JUÍZO

    Quantas bobeiras a terra de Drummond já deu na vida? Leia e engrosse esta lista se for ...
    Cidades

    Mais em Geral